França: algumas notas e alguns "coups de coeur" do último regresso a Paris
Julien Green (1900 – 1998), escritor nascido na capital francesa, para onde emigraram os seus pais norte-americanos, escreveu em Paris que ninguém poderá considerar que conhece bem uma cidade a não ser que nela tenha perdido realmente tempo. À minha 10ª viagem, curta e feita no último mês de Novembro (sendo que a primeira, em 1991, durou duas semanas e a segunda, em 1993, quase dois abençoados meses), talvez possa dizer que conheço Paris presque comme il faut. E que por lá gosto de me dedicar a ser flâneuse, o feminino de flâneur, palavra que ficou deliberadamente por traduzir na obra de Green e que significa qualquer coisa como vadio, caminhante, observador ou ainda polidor de calçadas. Desta vez, foram mais de 30 quilómetros a andar em três dias, a juntar a uma meia dúzia de viagens de metro.
Regressar a Paris é fazer uma ronda, sempre, por alguns dos meus coups de coeur. É percorrer as margens do Sena, as ruas do Marais (e neste caso regressar ao belo Museu Picasso, instalado no Hótel Salé, construído no século XVII), as ruas da Île de la Cité e da Île de Saint Louis, os jardins do Palais Royal, as ruas do Quartier Latin, as Tuileries e os Champs Élysées (e o Arc de Triomphe a ser engalanado para a festa do Dia do Armistício, que relembra a 11 de Novembro os soldados mortos na I Guerra Mundial e em outras guerras). É passar pelo menos à porta do Caveau de la Huchette, um bar de jazz dançante aberto todas as noites desde 1946 e que na idade média terá sido local de reunião de templários e mais tarde loja maçónica (e que numa sexta de Novembro, às 21h e qualquer coisa, tinha já uma boa fila para entrar). É olhar ou subir à Torre Eiffel, sem livre circulação à sua volta desde 2016, por motivos de segurança. É passar pelo Louvre, mesmo não entrando, o museu mais visitado do mundo (e que em 2024 recebeu 8,7 milhões de visitantes). É não deixar de deambular até à Notre-Dame, que havia de reabrir a 8 de Dezembro, depois do incêndio que a destruiu e de um insano trabalho de reconstrução.
A Notre-Dame, com oito séculos de História, viu no dia 15 de Abril de 2019, e após 15 horas em chamas, o seu pináculo de 96 metros desmoronar-se e grande parte do seu telhado ficar destruído. Mas viu também, no dia seguinte, começar uma mobilização global para a sua reconstrução. Em pouco tempo, cerca de 340 mil dadores, de 150 países, contribuíram com cerca de 846 milhões de euros. Cinco anos e meio depois, mais de 2400 carvalhos abatidos, mais de 2000 operários contratados e 250 empresas e ateliers de arte envolvidos nos trabalhos, telhado e torre estão agora reconstruídos, nas dimensões exactas e com as características dos originais. Entretanto, as obras de arte e os tesouros da catedral – entre eles cerca de 2000 estátuas e gárgulas, 21 quadros de grande dimensão e o órgão de 8000 tubos – ficaram a salvo das chamas e foram também restaurados.
Regressar a Paris é descobrir, de cada vez, algo novo. Ou aproveitar a agenda cultural. Nesta estadia, Fernando Pessoa andava por lá, no Théâtre de la Ville, onde decorria o Festival de Outono – mas estava esgotada a peça Pessoa Since I've Been Me, de Robert Wilson. Em compensação, a 27ª edição da Paris Photo estava de portas abertas no Grand Palais, o que por si só seria um bom motivo para andar nessa altura pela capital francesa (a edição de 2025 decorrerá de 13 a 16 de Novembro). Em relação a sítios novos, destaque nesta viagem para a casa onde viveu o escritor Victor Hugo entre 1831 e 1948, num dos cantos da Place des Vosges, que tem um espólio de desenhos, pinturas, esculturas e fotografias e onde vale a pena entrar. Ou a Chinatown, que fica no 13º arrondissement e que diz o Le Routard ser a maior da Europa. Por ali, sobretudo nas avenidas de Ivry e de Choisy, há restaurantes chineses, tailandeses e vietnamitas, uma loja chamada Saigon Nails, supermercados com alimentos exóticos, pinturas murais, uma Notre-Dame de Chine e também um anúncio, colocado no tronco de uma árvore pela organização Collectif les Morts de la Rue. Nele se procurava alguém que conhecesse um homem de origem asiática, que usava uma barba e um cabelo longos, que vivia debaixo de uma varanda do 54 na Avenue de Choisy e que morreu no hospital.
Gastronomicamente, uma viagem a Paris é sinónimo de dar um salto à Maille, loja fundada em 1747 pelo mestre vinagreiro e fornecedor do rei Louis XV Antoine-Claude Maille e localizada num dos cantos da Place de la Madelaine (impossível não comprar, pelo menos, um vinagre de manga). É descobrir um restaurante onde comer uma sopa quente de cebola (desta vez foi no The Bouillon of Paris, no Marché des Enfants Rouges, o mercado coberto mais antigo da cidade), outro que sirva mexilhões com batatas fritas (calhou à Brasserie L'Alsace, no 39 da Avenida dos Campos Elísios, por ter fechado o belga Lèon de Bruxelles, ali ao lado), outro ainda que tenha couscous na ementa. E o marroquino Figuig, a poucos minutos a pé do Hotel Niel, no número 13 da Rue Brey, com os seus couscous de "Maman", de frango, merguez ou borrego, foi uma boa descoberta. E podia ter sido uma boa forma de nos despedirmos de Paris. Mas ainda havíamos de ter um feliz almoço de domingo no Paradis Thai, com a sua grande porta e dois elefantes à entrada, durante a visita à Chinatown.
O Hotel Niel, ou Elysees Niel Hotel, um 3 estrelas no 17º arrondissement, a poucos minutos a pé do Arco do Triunfo e localizado junto a várias boulangeries e a um mercado de rua, foi a escolha nesta viagem. Fica no número 11 da Rue Saussier-Leroy e tem quartos duplos a 135 euros no Booking. Tel.: +331 42279929.
A Maison de Victor Hugo está aberta de terça a domingo, excepto em alguns feriados, das 10h às 18h, com a última entrada às 17h40. Integra a rede Paris Musées, de 14 museus e sítios, juntamente com o Musée d' Art Moderne de Paris, o Petit Palais Musée des Beaux Arts, o Musée Carnavalet – Histoire de Paris ou a Maison de Balzac. Todos têm entrada gratuita para as colecções permanentes, excepto as Catacumbas de Paris, a Cripta Arqueológica da Île de la Cité e o Palais Galliera.
O Caveau de la Huchette, localizado no número 5 da Rue de La Huchette (metro Saint Michel ou Cité), está aberto todos os dias do ano. De domingo a quinta das 21h às 2h (bilhetes a 14 euros), sexta, sábado e vésperas de feriados das 21h às 4h (bilhetes a 16 euros). Informações sobre a programação no site.
O Marché des Enfants Rouges, de 1615 e assim chamado por causa da cor das capas usadas pelos rapazes de um orfanato próximo, está aberto de terça a domingo. Fica no 39 da Rue de Bretagne, no 3º arrondicement (metro Temple ou Filles du Calvaire) e tem restaurantes e algumas lojas à volta. Destaque para o restaurante que serve tagines e couscous, sempre cheio, e para a loja Photographies.
Informações sobre a agenda cultural em Paris disponíveis no site Come To Paris ou na revista gratuita Paris Vous Aime Magazine.
Paris, de Julien Green, com tradução de Carlos Vaz Marques, está editado em Portugal pela Tinta da China. Custa 17,50 euros na Wook.
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