#9 Diário de um regresso a Moçambique – Ao encontro da arte urbana no bairro Unidade 7

"Só calor!", pode ouvir-se em Moçambique num dia muito quente se se perguntar a alguém se está tudo bem. E o último dia da estadia em Moçambique era um desses dias. Foi, portando, com calor que percorri as ruas do bairro Unidade 7, em busca dos murais pintados sobretudo pelo colectivo Maputo Street Art. Fi-lo na companhia de António Ivan Muhambe (nome artístico Afroivan), fundador de um projecto que pretende revitalizar os espaços urbanos em que actua e envolver a comunidade  – crianças, jovens e adultos  no trabalho que aí é feito. Para além das visitas guiadas, que são uma das formas de dar a conhecer e também de financiar o trabalho dos artistas, o colectivo publicou em 2022 um livro sobre a arte urbana que existe na capital moçambicana e realizou no final de 2023 a primeira edição do Maputo Street Art Festival. Agora, sonha com o projecto de abrir um centro cultural no Unidade 7. Entretanto, vão angariando fundos para a realização de nova edição do festival de arte urbana.

Ivan frequentou a Escola Nacional de Artes Visuais e começou por fazer pintura comercial para marcas como a Coca Cola ou a cerveja 2M. Desde 2016 que pinta no Unidade 7, bairro onde nasceu e cresceu. Ao longo da visita, à qual se haviam de juntar Bonse e Manavetane, Ivan foi falando da dificuldade de encontrarem espaços disponíveis para pintar, da necessidade de submeterem os projectos dos desenhos ao Conselho Municipal e de aí explicarem o que pretendem fazer, do importante papel do fotógrafo Ildefonso Colaço que documenta o trabalho dos artistas ou do papel das mulheres que começam a aparecer cada vez mais no colectivo. No bairro, há obras de Cami Skinner, Gessica Stagno, Panda ou Minória Máquina.

Ao longo de quase duas horas,  Ivan foi-me guiando pelas obras do Unidade 7: algumas da sua autoria;  um retrato da escritora Paulina Chiziane, vencedora do Prémio Camões em 2021, feito por Manavetane; o mural Diga Não à Violência Contra Mulher e Rapariga, um trabalho do colectivo patrocinado pela Embaixada dos Países Baixos (era para ser na Baixa, mas dificuldades com o Município fizeram com que fosse pintado no bairro); o desenho de uma baleia feita por um artista do Tofo; um retrato de Samora; outro de Bob Dylan, que em 1976 escreveu uma canção inspirada na independência de Moçambique, pelo artista francês @by_glacon. Ou ainda um retrato da avó Aida, há muito curandeira e uma das residentes. Ivan lembra-se de ser criança e de ela deixar a porta da sua casa aberta para os miúdos poderem assistir como eram feitos alguns rituais de tratamento.

Fora do bairro Unidade 7 há na cidade de Maputo mais arte urbana para conhecer, alguma feita no período colonial ou pós colonial, a maior parte mais contemporânea. E o livro Maputo Street Art é um bom guia para saber onde encontrá-la. Há arte urbana nos bairros de Maxaquene e Chamanculo, onde há também visitas guiadas pelo Maputo Street Art.  Há arte urbana no bairro da Mafalala e há visitas guiadas pela associação IVERCA. Há arte urbana no Mercado de Peixe, na Baixa, no Porto de Maputo, no Hospital Central ou no Mercado do Frango e Magumba, na Costa do Sol, um conjunto de contentores transformados em restaurantes. E no exterior do Museu de História Natural há o imperdível mural O Homem e a Natureza, de Malangatana. 


Exterior do Museu de História Natural, Travessa do Zambeze, 104

Mural O Homem e a Natureza, de Malangatana, pintado entre 1977 e 1979.

Barreiras do Museu, Avenida da Marginal

Mural em mosaico Ode a Samora Machel, feito por Naguib em 2007. Tem cerca de 700 metros.

Baixa, Rua da Travessa da Palmeira e Rua da Gávea, junto à mesquita Jumma Masjid

Murais de Sebastião Coana que integram o projecto Bring Back Maputo, uma iniciativa de responsabilidade social que nasceu em 2021 com o promover os valores da cidadania e promover o crescimento do turismo.

Cooperação Espanhola, Avenida Eduardo Mondlane, 677

Pintura na empena de um prédio da Eduardo Mondlane que pretende homenagear a mulher moçambicana. Foi feita em 2021 por três artistas espanhóis do colectivo Boa Mistura e por um grupo de mulheres moçambicanas.

Galeria, Porto de Maputo, Avenida Mártires de Inhaminga

Mural de 2020 dos artistas Shot B e Fraime 1 que visa eternizar a vida e obra de figuras como a escritora e jornalista Noémia de Sousa, o poeta Craveirinha ou o pintor Malangatana.

Mercado de Peixe, Avenida da Marginal

Mural de 2021 da autoria de Mateus Sithole.

Hospital Central de Maputo, Avenida Eduardo Mondlane, 653

Mural feito por professores e alunos da Escola Nacional de Artes Visuais e dedicado à temática da saúde, numa parceria com a direcção do Hospital Central.

FEIMA - Feira de Artesanato, Flores e Gastronomia de Maputo, Avenida Armando Tivane

Obra Mudar o mundo, meu amigo Sancho, não é loucura nem utopia, é justiça!, de 2016, uma iniciativa promovida pela Cooperação Espanhola. O trabalho teve a participação do artista espanhol Fidel Añaños e de 15 artistas moçambicanos e foi feito no âmbito das comemorações do IV centenário da morte de Miguel de Cervantes.

Mercado do Frango e Magumba, Avenida da Marginal

Mais de 30 contentores transformados em restaurantes foram pintados em 2021 por um colectivo de mais de 100 artistas maioritariamente associados ao Núcleo de Arte. 

Polana Caniço, Avenida Vladimir Lenine e Maxaquene, Rua da Costa do Sol

Mural A Voz do Povo, de Kassiano, jovem artista natural de Pemba, estudante de Arquitectura, que desenha e pinta retratos de pessoas anónimas, sobretudo das periferias, ou de figuras públicas. Há por Maputo retratos de políticos como Samora Machel, de escritores como Mia Couro, ou de músicos como o rapper Azagaia.

Bairro da Mafalala

Obra Tufo da Mafalala, de 2016, que retrata um grupo de mulheres oriundas da província de Nampula que se dedicam a dançar tufo, uma dança que terá origem árabe. Por Francisco Vilanculos, artista radicado na Suíça.

Campinho da Mafalala, Rua Eusébio da Silva Ferreira

Mural Os Heróis do Desporto da Mafalala pintado por Chaná de Sá em 2020. São lembrados futebolistas como Eusébio ou Hilário da Conceição.

Bairro de Malhangalene

Obra Mural da Malhangalene, pintada por João Timane em 2020. Retrata personagens importantes na História de Moçambique, como Eduardo Mondlane, Samora ou Alberto Chissano, mas também alguns temas sociais mais actuais, com a caça furtiva ou a necessidade de promover a educação.






























As visitas guiadas ao bairro Unidade 7 pelo colectivo Maputo Street Art (e também a Maxaquene e Chamanculo) podem ser marcadas para qualquer dia da semana, das 10h às 12h ou das 14h às 18h, e têm um custo de 2000 meticais por pessoa, cerca de 28 euros (gratuito até aos 5 anos).  O grupo, que pretende angariar verbas para uma 2ª edição do Maputo Street Art Festival, tem também à venda o livro Maputo Street Art, editado com o apoio da Cooperação Espanhola (custa 2000 meticais) e camisetas e sacolas com reproduções de algumas das obras dos murais. Mais informações e marcação de visitas pelos telefones +258 842668551 ou +258 824265652.


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