Parabéns para o melhor companheiro de viagem

Ainda não tinha quatro anos quando fez a primeira grande viagem. Isto, se não contarmos com uma volta pela Turquia antes de ter nascido, altura em que uma extrema intolerância a todos os cheiros me fez suspeitar que talvez passássemos a ser três. Ou uma estadia de três semanas, com  dois anos e pouco, na ilha de Menorca, onde deixou de usar fraldas e quase lhe deu para fazer greve de fome: “Não quero mamar este biberão neste aeroporto", anunciou no dia do regresso.
O destino escolhido foi o Nordeste brasileiro, que seria percorrido em 4x4 de Porto Galinhas a Fortaleza e de Fortaleza a Natal. Hoje, que faz 18 anos, e muitas viagens depois, lembro-me de uma então colega de trabalho me ter dito que era um desperdício, de dinheiro e de esforço, levar um miúdo tão pequeno para tão longe. Que mais tarde não se iria lembrar de nada. Pode não se lembrar de grande coisa, mas sempre achei que esse não é o argumento para deixar os miúdos em casa.
Dessa viagem, lembro-me eu de o miúdo se ter deliciado, na praia de Ponta Negra, com uma espetada de queijo de coalho grelhada num braseiro que já tinha sido lata de tinta (e de não ter ficado doente), de ter sido fotografado em Fortaleza ao lado de um encalorado Pai Natal, de ter descoberto que o mar pode ser quente ou de se ter admirado por ver crianças a vender fruta na praia ("Não deviam estar na escola?").
Das viagens que se seguiram foram ficando outras memórias, minhabs ou dele. Em Cuba, enquanto almoçávamos num restaurante caseiro e clandestino, brincou com um rapaz chamado Alvarito que tinha no saco de brinquedos umas tábuas, uma embalagem de comprimidos já vazia e uma pasta de dentes completamente espremida. Em Paris, depois de ter sido feliz na Eurodisney, tentou encontrar o corcunda no alto da catedral de Notre-Dame. No Puerto de Santa Maria, em Espanha, ajudou na construção de uma passadeira de sal colorido para as festas religiosas de Verão. Em Madrid, encantou-se com as múmias do Museu Arqueológico. Em Marraquexe, surpreendeu-se com os encantadores de serpente, os acrobatas e os macacos da praça Jemaa  El Fna. No Ilhéu das Rolas, em São Tomé e Príncipe, onde passa a linha do Equador, saltitou entre o Norte e o Sul. No México, assustou-se quando fomos roubados por dois polícias corruptos. Em Moçambique, onde já é mais do que repetente, começou por não achar graça ao lixo, à confusão e à pobreza. No Kruger Park, na África do Sul, especializou-se na caça de animais com a câmara fotográfica. Mas aí, já a "carreira" de fotógrafo ia avançada: antes, na Costa Rica, já tinha capturado algumas borboletas do Borboletário do Museu Nacional (com direito a publicação no blogue Em Viagem) ou fotografado, em Key West, os gatos com seis dedos e com nomes sonantes na casa de Ernest Hemingway (aqui).
Que venham mais viagens. Enquanto isso (e parece que há uma altura em que deixam de querer viajar com os pais), por aqui ficam os parabéns. Pelos anos e por ser o melhor companheiro de aventuras.


Londres, Dezembro 2009



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