Teatro em Lisboa: era uma vez uma casa nas Chocas

A Casa da Praia, a história íntima, comovente e real de uma família portuguesa que viveu em Moçambique, sobe por estes dias ao palco num último andar de um velho prédio do Bairro Alto, em Lisboa. E subir ao palco é uma maneira de dizer, que a história conta-se à volta de uma mesa, com uma actriz, Anabela Almeida, e 15 espectadores, alguns com copos de whisky com soda e gelo à frente, que é como o whisky se bebia em Moçambique.
Anabela Almeida, 50 anos, é uma das netas de José de Almeida, natural de uma aldeia da zona de Pampilhosa da Serra, que partiu em 1950, incentivado pelo tio Alberto e pela sua "carta de chamada", do Cais da Rocha, em Lisboa, rumo a África, sem ter tido coragem de dizer à mulher qual o destino que escolhera para tentar a sorte. E filha de Fernando, que com 13 anos e depois de uma ida ao cabeleireiro (a sua mãe aproveitou para fazer uma permanente) e de uma viagem de 28 dias no mar (talvez no paquete Pátria, ou no Império, ou no Moçambique) se juntou ao pai. Tinham passado oito anos (e oito anos sem ver a família) desde a partida de José, que na altura fugia do "buraco" onde vivia.
Ao longo da hora e pouco que dura o espectáculo, vamos sabendo mais sobre aqueles que no início da década de 70 foram felizes na casa da praia das Chocas, uma praia sem ninguém, a cerca de 200 quilómetros de Nampula e na parte continental que fica em frente à Ilha de Moçambique. José, que encontrou por lá uma terra quente, de arvoredo impressionante e de grandes espaços, começou por morar numa palhota e por trabalhar no mato, a fazer travessas para as linhas de comboio. Mais tarde, depois de alguns anos de solidão, investiu na pensão Nampula e a vida melhorou. Juntou a família em África e mais dois filhos aos quatro que tinham nascido em Portugal. E três dos seis filhos, Fernando e duas irmãs, acabaram por protagonizar um "facto inédito", noticiado na altura pela imprensa local, uma vez que casaram todos no mesmo dia na Catedral Nossa Senhora de Fátima, em Nampula.
Fernando, que adorava a fruta tropical de Moçambique e que aí provou pela primeira vez Fanta e Seven Up (e mais tarde cerveja), conheceu a mulher numa padaria da cidade que então era a sua. Dizia muitas vezes que se tivesse de sair do país seria o seu fim. E um dia teve mesmo de sair... E refazer a vida em Portugal, onde acabou por comprar, em Algés, a Churrascaria Angolana. Nunca voltou a Moçambique, o que a família fez em Abril de 2019, também como uma homenagem aos que já partiram.
E foi a morte de Fernando que levou a filha actriz, que viveu em Moçambique até aos seis anos, a sentir necessidade de recuperar as memórias e de contar a história que interpreta em A Casa da Praia. Sobre o futuro da peça falou-se um pouco na conversa informal que se seguiu à apresentação. Os jornalistas Adelino Gomes e Joaquim Furtado estavam entre a emocionada assistência e sugeriram a Anabela Almeida para não ficar por ali. Adelino Gomes acha que a peça tem de chegar a mais gente, cá ou em África ("Talvez falar com Mia Couto"), Joaquim Furtado acha que esta história precisa de ser escrita. Outro dos presentes achou que a história toca mesmo a quem nada tem a ver com África: podia ser apresentada na Suíça que as emoções estariam lá. Para já, há duas sessões extra marcadas para amanhã e depois.

A Casa da Praia, uma co-produção teatro meia volta e depois à esquerda quando eu disser e Galeria Zé dos Bois, esteve em cena de 21 de Novembro a 1 de Dezembro (de quinta a domingo) na Rua da Barroca, 59, em Lisboa, e tem mais duas sessões marcadas para dias 5 e 6 de Dezembro, às 19h. Os bilhetes custam 7,50 euros e a lotação é limitada a 15 espectadores. Mais informações: 213430205 ou reservas@zedosbois.org.








© Anabela Almeida



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