Desconfinando por aí: Marvão
"De Marvão, vê-se a terra quase toda (...) Compreende-se que neste lugar, do alto da torre de menagem do castelo de Marvão, o viajante murmure respeitosamente: 'Que grande é o mundo'."
Viagem a Portugal, José Saramago
Num troço do antigo ramal de Cáceres, que começou a ser construído em 1878 e desactivado em 2012, quando o último comboio hotel Lusitânia, que fazia a ligação entre Lisboa e Madrid, passou por ali a 15 de Agosto, circulam agora os carrinhos – meio triciclos, meio bicicletas –, do Rail Bike Marvão. Um programa para fazer com amigos que pode figurar justamente em qualquer top 5. Ou no primeiro lugar do ranking se lhe juntarmos uma estadia no Train Spot Guesthouse, uma subida ao castelo de Marvão, de onde se vê a terra quase toda, já dizia Saramago, um almoço no Varanda do Alentejo, outro no Mil Homens, na Portagem, e uma ida à chinchada, que significa em linguagem popular o acto de apanhar fruta (no caso, marmelos, uvas e figos) em árvores da vizinhança. Árvores, diga-se em defesa dos infractores, aparentemente "desactivadas", à semelhança das estruturas ferroviárias em volta.
O Rail Bike Marvão, a funcionar desde Outubro de 2018, é um projecto da portuguesa Susana Torgal, que antes de rumar ao Alentejo foi sócia do Café Tati, no Cais do Sodré, em Lisboa, e de Lenny Macleod, natural da Nova Zelândia. Numa visita a Marvão, os dois ficaram curiosos e deslumbrados com a zona, pelo que oferecer aos visitantes a possibilidade de pedalar na via férrea, em pleno Parque Natural da Serra de São Mamede, fez parte do plano que elaboraram para deixar a cidade. Lenny conhecia rail bikes em outros locais do mundo, tendo sido dele a ideia de ali pôr em prática esta atracção.
Com seis viaturas disponíveis, que permitem transportar 11 visitantes e um guia (a nós calhou-nos Agostino, um italiano que vai comentando o percurso também em espanhol por ter vivido em Barcelona), a Rail Bike realiza dois passeios. Um de 32 quilómetros entre a antiga estação de Marvão –Beirã e a desactivada estação de Castelo de Vide (quatro horas, mais piquenique) e um de 15, entre Beirã e a ponte da Ribeira de Vide, de 1930 e com 30 metros de altura (duas horas). Os dois são feitos por uma paisagem de sobreiros, castanheiros e carvalhos e por zonas de alguma inclinação, o que requer uma forma física q.b, pois todos têm de pedalar.
Ao lado da base de operações do Rail Bike, instalada no Cais Coberto, que é também um Café Bar onde podem acontecer festas e concertos, fica o edifício principal da antiga estação, decorado com painéis de azulejos azuis e brancos do pintor e ceramista Jorge Colaço (1868 – 1942), que ilustram algumas das atracções turísticas de Portugal: a Igreja da Graça em Évora, a praia de banhos da Nazaré ou o Jardim de Santa Cruz em Coimbra. Por cima destes, o relógio típico das estações de comboios, a placa que indica o posto do chefe da estação e o sítio onde se mostravam os passaportes, ou não fosse Beirã a estação mais próxima de Espanha.
Não está aberto aos visitantes este edifício principal, mas o antigo restaurante e alojamento que serviam a estação, a uns metros, ganharam uma segunda vida e estão transformados no Train Spot Guesthouse, um alojamento gerido por Eduardo Salvador e inaugurado há sete anos. A recuperação foi feita com uma intervenção mínima nos elementos originais, com a cozinha que servia o restaurante a permitir agora aos hóspedes prepararem as refeições, a sala comum a manter o pavimento e os azulejos da parede verdes e brancos, a lareira enorme e branca a continuar a dominar o espaço (e foi acesa no último fim de semana de Setembro) e a porta de acesso às casas de banho ainda com a velha inscrição Lavabos.
Ao charme do espaço interior, que tem a possibilidade de ser gozado em exclusivo por um grupo de pelo menos 14 amigos (a única maneira de haver música, jantares tardios ou conversas fora de horas), junta-se o alpendre, assim uma espécie de sala de estar a dar para a linha férrea. Apetece ficar por ali a imaginar os episódios que marcaram a História da estação: as reuniões de espiões, as conspirações anti-regime, a actividade da PIDE que tinha uma delegação ali ao lado, a passagem de ouro nazi durante a II Guerra Mundial, a assinatura de declarações de neutralidade. Ou então, a beber um copo e a brindar à recuperação deste património ferroviário.
A actividade Rail Bike Marvão, também disponível para bebés (é preciso reservar a cadeira), custa 20 euros por pessoa para o percurso até à ponte e 45 para o percurso até Castelo de Vide. Reservas através do telefone 912987639 ou do e-mail railbikemarvao@gmail.com.
A Train Spot Guesthouse, que aloja no máximo 24 pessoas, tem quatro quartos com casa de banho privada por 60 (de Novembro a Março), 65 (Abril a Outubro) e 70 euros (Páscoa e Ano Novo) e três com casa de banho partilhada por 40, 45 ou 50 euros. Tem ainda dois apartamentos para quatro pessoas no exterior do edifício, a uns metros, que eram as casas dos funcionários da estação (custam 80 ou 90, consoante a época). Cama extra custa 10 euros, o pequeno almoço está incluído em todas as tarifas. Mais informações no site ou pelo telefone 912576378.
A Casa dos Corações, à beira da linha férrea, com jardim e três quartos para oito (preço de 50 euros para duas pessoas e 10 adicionais por pessoa, reservas através do 963340221 ou linapaz02@gmail.com) e a casa da irlandesa Amie (com pátio e três quartos, preços idênticos à Casa dos Corações e reservas com o 927406769) são outras opções de alojamento em Beirã.
Em Castelo de Vide, no edifício da antiga estação, funciona desde Março de 2015 a Pensão Destino. É um projecto de Ana Patrício, que trabalhou com Alojamento Local em Lisboa antes de se mudar para o Alentejo, e tem capacidade para 12 adultos em 6 quartos duplos (4 suites a 40 ou 50 euros e 2 com casa de banho exterior a 35 ou 40 euros, consoante a época). Possibilidade de reservar toda a casa (uma noite 210 ou 250, uma semana 1200 ou 1500). Mais informações: 966852131.
O Varanda do Alentejo, localizado em Marvão (Praça do Pelourinho, 1, A), tem na ementa pratos como sopa de tomate à moda antiga, sarapatel de cabrito, alhada de cação ou migas com magusto de carnes. Reservas: 245909002.
No Mil Homens, aberto desde 1967 na aldeia de Portagem, na Rua Nova, 14, perto do rio Sever (não perder a ponte que durante muito tempo se pensou ser romana mas que depois se descobriu ser do século XV), come-se ensopado de borrego, migas de pão com carne de porco e outros pratos regionais cujas receitas remontam ao tempo da avó Maria. Reservas: 245993122.
Outros alojamentos em Portugal para dormir perto dos carris: o recém inaugurado hostel Estação Real, na desactivada estação Carregado – Alenquer, a Cork Train Station Guesthouse, aberta em Julho último e a funcionar no primeiro andar da estação de Esmoriz, onde os comboios continuam a passar (tem quatro quartos duplos a partir de 65 euros), o Lisbon Destination, na estação do Rossio (tem 30 quartos e 108 camas), o Sunset Destination Hostel, no Cais do Sodré, em Lisboa (com 20 quartos e 90 camas) e o The Passanger, na estação de São Bento, no Porto, aberto em 2017.
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