#3 Quarenta dias pelos EUA: de São Francisco a Los Angeles, pela costa do Pacífico

A viagem por terra entre São Francisco, a primeira etapa desta volta pelos EUA (ver aqui), e Los Angeles, a segunda cidade grande do roteiro, pode ser feita de uma só vez, via Interstate 5, também conhecida como I-5, a forma mais rápida mas menos interessante (são 382 milhas e cerca de seis horas e meia), ou percorrendo a 101, estrada que segue o traçado do antigo El Camino Real, que ligava as missões, as povoações e as prisões da colonização espanhola (420 milhas, cerca de sete horas e meia). Ou então pela famosa Highway 1, também conhecida como Pacific Coast Highway, de preferência tendo pelo menos três ou quatro dias para lhe dedicar. Foi esta a nossa opção, que teve de sofrer um desvio por se encontrar fechada a entrada para o Big Sur, uma região selvagem e isolada que ao longo dos tempos atraiu escritores, artistas e gente em busca de aventura e tranquilidade: Jack London percorreu-a a cavalo na segunda metade do século XIX, entre 1947 e 1962 Henry Miller instalou-se por ali, primeiro numa cabana sem gás nem electricidade, e Jack Kerouac dedicou-lhe a novela Big Sur, que escreveu em 1962. No Big Sur, onde há florestas de sequoias, falésias abruptas, um farol construído em 1889 para evitar os naufrágios frequentes, uma ponte de 1932, a Bixby Creek, uma colónia de elefantes marinhos, dois parques estatais com o nome dos "pioneiros", Pfeiffer, e uma praia que tem as únicas cascatas do litoral da Califórnia, as MacWay Falls, são frequentes as tempestades de Inverno. Muitas vezes violentas, com deslizamento de terras e o consequente corte da estrada, que chega a durar meses.

Deixámos São Francisco no dia 25 de Abril, e na primeira paragem, feita na Natural Bridges State Beach, tínhamos um ramo de cravos vermelhos e cor de rosa colocado junto a um gradeamento, como que à nossa espera. Seguiram-se paragens em Santa Cruz, estação balnear e um dos surf spots da Califórnia, que tem um parque de atrações centenário, com montanhas russas, o Santa Cruz Beach Boardwalk, e uma espécie de memorial, na descida para a praia, dedicado aos surfistas que provavelmente morreram no mar: Bobby Campbell, "Our hero", tinha 24 anos. E uma noite em Monterey, estação balnear que já foi terra de pescadores, de fábricas de sardinhas em conserva (chegaram a ser 18) e de bordéis e que tem agora um aquário instalado na que foi a última conserveira a fechar portas, em 1972, o Monterey Bay Aquarium. Vale a pena visitá-lo, com os seus pinguins africanos, as anémonas, as raias ou as estrelas do mar, apesar de caro (os bilhetes custam 59,90 dólares para um adulto). Também vale a pena percorrer Cannery Row, apesar de já pouco restar do ambiente que inspirou John Steinbeck, nascido ali por perto, em Salinas, e onde não chegámos a ir. O escritor escreveu 19 livros cuja acção se passa na Califónia e essa e outras informações estão hoje expostas no National Steinbeck Center.

A quatro milhas a sul de Monterey fica Carmel by the Sea. E foi para lá que seguimos. Carmel é uma cidadezinha muito arrumada, com menos de 4000 habitantes, que teve Clint Eastwood como mayor entre 1986 e 1988, altura em que passou a ser permitido comer gelados na rua. Continua, no entanto, a ser proibido andar por ali de saltos altos, a não ser que se tenha uma licença municipal (gratuita). Carmel tem uma praia de areia branca onde há gente muito vestida e outra que  vai a banhos mesmo no final de Abril, muitas galerias de arte (leio algures que são uma centena), espaços para degustação de vinhos,  restaurantes que não podem pertencer a qualquer cadeia (escolhemos o Pangaea Grill, com os seus crab cakes, para almoçar), casas e lojas cheias de charme e também a bem conservada missão San Carlos Borromeo, a segunda que os espanhóis criaram na Califórnia. Mas não tem caixas de correio ou parquímetros, por serem pouco estéticos. Nos arredores de Carmel fica a Point Lobos State Reserve, habitada por lontras do mar e focas com as suas crias e local que inspirou Robert Louis Stevenson a escrever A Ilha do Tesouro. Vale a pena percorrer alguns dos seus trilhos.

Depois da segunda noite passada num hostel em San Luis Obispo, que terá sido a primeira cidade do mundo a proibir o uso do tabaco em restaurantes e bares e que hoje tem cartazes que anunciam as Tobacco Free Zone, seguimos viagem para Pismo Beach, praia que se estende por 5 milhas, na altura com nevoeiro e com duas famílias com crianças instaladas no areal, e para o La Purisima Mission State Historic Park, que acolhe a missão  La Purisima. Ali se apreende como viviam os missionários na antiga Califórnia espanhola e se mostra o trabalho de restauro que aconteceu depois de 1934. O almoço desse dia havia de ser  no centenário restaurante Andersen's, em Buelton, arredores de Solvang, a capital dinamarquesa da América, construída a partir de 1911 por iniciativa de três emigrantes e que tem moinhos de vento, uma pequena sereia ou uma livraria com um espaço dedicado a Hans Christian Andersen, o autor de A Princesa e a Ervilha. E sopa de ervilhas e seus acompanhamentos é o prato principal do Andersen's, servido num pão em dose individual ou em versão all you can eat.

Na tarde do terceiro dia havíamos de chegar a Santa Barbara, cidade balnear e universitária a umas 94 milhas a norte de LA. Santa Barbara, que deve ser paragem obrigatória para quem desce a costa do Pacífico, tem o clima mais ameno da região, o que não significa propriamente temperaturas altas nem água do mar quente. E tem um Waterfront cheio de palmeiras, uma rua, a State Street, em grande parte pedonal, onde há esplanadas e vendedores de fruta e snaks mexicanos, casas em adobe que sobreviveram ao sismo de 1925 (na De La Guerra ou na Santa Barbara Street), uma antiga missão franciscana, a que chamavam a "rainha das missões" e ainda hoje habitada por frades franciscanos (mais sobre as visitas aqui), um museu de coches, o Carriage and Western Art Museum, um histórico, o Santa Barbara Historical Museum, um mural que lembra a morte de George Floyd às mãos na polícia ("Please, I can't breathe"), um antigo presídio, e um tribunal, o Couty Courthouse, que se pode visitar gratuitamente. Tem salas cobertas de frescos (na Mural Room decorria um casamento), uma torre de observação, um quadro num dos corredores que mostra todos os julgamentos do dia e eventualmente um detido algemado talvez à espera de ser ouvido. Santa Barbara tem também um pontão e no final deste um restaurante numa casinha de madeira que começou por ser um local que comprava peixe e marisco aos pescadores e que vendia caranguejos e que hoje serve  tacos de camarão, ceviche, misto de peixe frito ou mexilhões. Mais uns dias em Santa Barbara e o Santa Barbara Shellfish Company, onde jantámos e almoçámos, seria a nossa cantina.


Natural Bridges State Beach

Santa Cruz Beach Boardwalk

Santa Cruz

Santa Cruz

Cannery Row, Monterey

Monterey Bay Aquarium

Monterey Bay Aquarium

Monterey Bay Aquarium

Monterey Bay Aquarium

Monterey Bay Aquarium

Monterey

Carmel by the Sea

Carmel by the Sea

Carmel Beach

Point Lobos State Reserve

Point Lobos State Reserve

Point Lobos State Reserve

Point Lobos State Reserve

Mission Plaza, São Luís Obispo

Prismo Beach

La Purissima Mission State Historic Park

La Purissima Mission State Historic Park

Andersen's, Buelton

Andersen's, Buelton

Solvang

Solvang

Waterfront, Santa Bárbara

Waterfront, Santa Bárbara

County Courthouse, Santa Bárbara

Santa Bárbara

Vera Cruz 521, Santa Bárbara

Esta viagem de 4859 milhas (ou 7820 quilómetros) pelos Estados Unidos foi feita num carro alugado na Sixt para 36 dias, um BMW 330E, que custou o equivalente a 2200 euros (56,41 euros por dia). O Pacific Inn Monterey, o HI San Luis Obispo Hostel, que oferece um pequeno almoço colectivo de panquecas (cada um faz as suas), e o Lemon Tree In, em Santa Bárbara, reservados no Booking, foram os alojamentos escolhidos para este pedaço do percurso. Os dois primeiros custaram 101 dólares cada, o Lemon Tree In 120.

Informações sobre o estado da Highway 1, incluindo os troços que eventualmente estejam encerrados, podem ser consultadas no site Big Sur ou aqui. Neste início de 2024, a estrada está cortada na zona de Paul's Slide e estima-se que a reabertura aconteça no final da Primavera.

Mais sobre a viagem aqui (40 dias pelos EUA), aqui (São Francisco), aqui (Los Angeles) e aqui (São Diego). Seguir no Facebook ou no Instagram para acompanhar publicações futuras.

Comentários

Enviar um comentário

Mensagens populares