#9 Moçambicanos – Francisco Luís Vinho, Khongolote, Maputo
Cresceu no bairro da Malhangalene, na cidade de Maputo, onde aos 13 anos teve, através de um vizinho, o primeiro contacto com o skate, que na altura via como um brinquedo. Actualmente, com 44, Francisco Luís Vinho é o coordenador do projecto Skate e Educação, uma forma de usar este desporto como ferramenta social. É na sua casa em Khongolote, onde construiu a primeira pista de cimento do país, que Francisco acolhe, desde 2020 e num espaço que considera seguro e saudável, crianças e jovens do bairro. Este ano estão inscritos 87 miúdos, entre os 6 e os 17 anos, todos matriculados numa escola, que é condição obrigatória. Por ali, para além da prática desportiva, que transmite valores como a importância de cair e levantar, a persistência ou a concentração, é também fundamental o lado educativo. Ao desporto mais praticado juntam-se actividades de leitura, de escrita, jogos ou costura, esta para algumas meninas que querem participar mas não querem andar de skate. Tudo sob a orientação da equipa de 14 voluntários, todos maiores de 18 e geralmente ex-beneficiários do projecto. Um dia por semana, o Skate Park recebe a visita da Chapateca, um parceiro fundamental.
Foi por volta dos 19, 12ª classe já feita, que Francisco se começou a interessar por ser um skatista. Nessa altura, foi pesquisando na Internet, e também nas bibliotecas onde ia fazer trabalhos escolares, informações sobre a modalidade. O que encontrou foi a parte do preconceito, muitas vezes associando quem pratica skate à toxicodependência ou à marginalidade. E Francisco, que vem de uma família com bons princípios, queria ser skatista mas não queria ser marginal. Entretanto, queria também ser cientista, nome pelo qual era conhecido entre os colegas, estudar matemática e física pura na Universidade Pedagógica. Mas por influência do pai acabou por escolher a Universidade Eduardo Mondlane, onde fez o curso de Informática e onde acha que entrou com a melhor nota. Lembra-se de ser respeitado quando tinha a pasta da Faculdade e de ser discriminado quando andava com o skate.
Francisco, inspirado no jogo da Playstation Tony Hawk Pro Skater 1 e numa altura em que não havia em Maputo lojas onde se pudesse comprar um skate, decide comprar o de um amigo, em segunda mão. Mas dois ou três anos depois acabou por o partir e sentiu nessa altura que lhe faltava alguma coisa. Quando em 2007 teve o primeiro filho (tem dois, um rapaz e uma rapariga), os amigos da Universidade ainda tentaram que Francisco mudasse de vida, que "metesse o CV num banco", pois o skate não dava dinheiro, só lesões. Mas a decisão já estava tomada. Entretanto, trabalhou como cameraman, filmou festas, fez trabalhos gráficos, fez fotografia, até que decidiu abrir uma pequena oficina de informática em Malhangalene, onde reparava computadores, empresa que ainda hoje mantém.
Depois de ter ficado cerca de um ano sem skate, decidiu um dia, quando se encontrava na Baixa da cidade, com o passaporte no bolso, fazer uma viagem de autocarro para Nelspruit, na África do Sul, onde nunca tinha ido. Foi comprar duas tábuas e duas lixas, para juntar às peças que tinha do skate partido. Ainda pensou, a meio do caminho, desistir da aventura, como chama a esta primeira viagem. Mas acabou por ir até ao fim. Numa loja do Riverside Mall, só com coisas para a modalidade, encontrou o que queria. E a empregada ainda lhe fez um desconto de 20 rands, por não ter todo o dinheiro necessário. Voltou a Maputo no mesmo dia.
Por essa altura, depois de regressar da África do Sul, Francisco teve acesso a um documentário sobre o skatista brasileiro Bob Burnquist, numa cassete VHS que ainda guarda, onde ele falava da sua história. Considera que esse vídeo o ajudou bastante. Mais tarde, em 2016, regressa a Nelspruit, para onde passa a viajar com frequência, para aprender, para fazer compras, para estar com o amigo Garrett, que tinha trabalhado algum tempo em Maputo. E estão juntos até hoje. Um pouco depois, convida outro amigo, também skatista, para fazer um novo logo do movimento Maputo Skate, que tinha criado ainda em 2006. Começou também a projectar a sua loja de skate, que primeiro instalou numa garagem mas que é agora um quiosque no centro comercial Gloria Mall. E lançou a primeira pedra da pista de skate que construiu no terreno onde também fez a sua casa.
A pista havia de ser inaugurada no dia 1 de Dezembro de 2019, mas antes disso ainda há mais história para contar. Pim Pomsy, um holandês que viajou por 18 países para fazer um documentário sobre o skate em África, entrou um dia em contacto com Francisco, via Facebook, que o recebeu em sua casa durante uma semana. Moçambique não estava originalmente na sua lista, seria só uma forma de chegar à África do Sul. Mas acabou por ficar impressionado com o skater moçambicano, alguém que terá mudado a sua perspectiva: "Você está a construir esse skate park sozinho?", admirou-se. Já na Holanda, mandou um e-mail dizendo que tinha um grupo de amigos dinamarqueses que queriam fazer um trabalho de final de curso em África e ajudar a concluir a pista. Despois de avanços e recuos, e através da Skate World Better, organização dinamarquesa que já construiu pistas na Serra Leoa ou na antiga Suazilândia, chegaram a Khongolote 25 voluntários, entre franceses, americanos, escoceses, checos, dinamarqueses e russos. A polícia, que foi ao local ver o que se passava, achou que estava ali "o mundo inteiro".
Para o futuro, Francisco, que antes de construir a pista já fazia eventos nas escolas, associando ao skate o conceito de prevenção do uso de álcool e de drogas, gostava ver o Skate e Educação crescer, um projecto que não dá dinheiro mas que dá benefícios, que permite às crianças sonhar, aumentar a sua autoestima. Talvez construir uma sala de aulas no terreno contiguo à casa para 15 ou 20 alunos (as actividades decorrem por agora na varanda da sua casa). Talvez ter acesso a pequenas bolsas de estudo para os alunos que não entram na Universidade, para cursos de electricidade ou outros cursos técnicos. Entretanto, Francisco, que treina o filho de 17 anos, também skatista, para ser atleta olímpico (em 2020 o skate passou a ser modalidade olímpica), pensa continuar a fazer skate "até os pés não aguentarem". Por agora, dá ainda aulas de skate na Escola Francesa de Maputo e foi convidado para jurado do International Skateboarding Judging Commission da World Skate.
Gratidão 🙏🏿 ! Que mais pessoas se inspirem na minha história e juntos contribuirmos para um mundo melhor.
ResponderEliminarE eu agradeço por me teres contado a tua história
EliminarSuper inspiração. Keep doing Real
ResponderEliminarTrajectoria inspiradora !
ResponderEliminarGrande homem Francisco Vinho, parabéns pela pessoa que és e pela visão e paixão que dás as nossas crianças.
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