#15 Moçambicanos – Rosílio Ernesto Cuna, Maputo

Rosílio Ernesto Cuna, vendedor de capulanas, nasceu há 43 anos na localidade de Chipenhe, arredores de Xai-Xai, na província de Gaza. Tem seis irmãos, dois homens e quatro mulheres ("A caçula é uma menina"), todos da mesma mãe e do mesmo pai. E tem mais sete meios irmãos, do pai e da "madrasta". Quando Rosílio nasceu, já o pai tinha duas mulheres em simultâneo: "Tinha filho lá, filho aqui". As duas famílias viviam em duas casinhas muito próximas. "Antigamente era muito normal", acha Rosílio. Considera também que ter 14 filhos é uma "obra grande", mas que o pai nunca dedicou muito interesse a essa obra. Ele trabalhava muito, era "grande reparador de rádios", Motorolas e de outras marcas, "que os portugueses usavam para comunicar", tendo aprendido o ofício com um senhor chamado Rosil, quase xará de Rosílio. Mas tinha muitos gastos no jogo. Apostava no Benfica, no Belenenses, no Sporting. Queria acertar um 13 no Totobola, o que nunca aconteceu. Por isso, Rosílio odeia jogos.

Um dia, Rosílio não se lembra de que ano, a mãe decidiu sair da relação. O companheiro passava mais tempo com a outra mulher, talvez porque a "magia" que esta fazia, consultando um curandeiro, tinha melhores resultados. Ou talvez porque a "madrasta" usava "mais remédio". Com dinheiro poupado aos poucos e  numa altura em que o marido não estava, a mãe chamou um motorista e rumou com os sete filhos para casa dos pais, que viviam em Maxaquene, um bairro de Maputo. Mas a casa não chegava para todos e o avô acabou por arranjar um terreno na Polana Caniço, onde a mãe construiu uma cabana de seis chapas e de caniço e onde a família passava mal. Dormiam no chão, que não estava cimentado, em cima de esteiras. Para sobreviveram, a mãe começou a vender couves e produtos da machamba, que comprava aos produtores, numa banca no mercado Carimbo, perto da casa dos pais. 

Aos oito ou nove anos, Rosílio entrou na escola, na Polana Caniço, para fazer a primeira classe. De manhã tinha aulas e à tarde, "naquela hora das 15h30 ou 16h", fazia três ou quatro quilómetros com o irmão para irem à banca da mãe buscar alguns ingredientes para a refeição da noite, que as irmãs haviam de cozinhar. Mas pelo caminho, com fome, comiam o coco ou o amendoim e a comida não ficava bem, não ficava completa. O que fazia zangar a mãe. Ainda muito novinho "entrou" também na cidade, onde conheceu algumas pessoas que o ajudavam, com material escolar e outras coisas. Com os irmãos homens e um primo vendia cestos de palha, em diferentes sítios da cidade. Nesse período, sofreu agressões de miúdos da rua e roubos depois de fazer alguma venda, algumas vezes na subida do Clube Naval. "Tens de pagar uma taxa, senão vamos te arrancar os cestos", diziam-lhe.

Na escola, depois de concluída a 7ª classe, Rosílio não teve dinheiro para "comprar a vaga" e teve de deixar os estudos (considera que este pagamento extra, para além do pagamento da matrícula, é um negócio antigo no Secundário). Começou então a vender capulanas e roupas que mandava fazer, junto ao restaurante Mundo's, na Julius Nyerere, e as coisas corriam bem ("Era uma boa esquina"). Em 2010, quando abriu a FEIMA - Feira de Artesanato, Flores e Gastronomia, construída com a ajuda da Cooperação Espanhola, mudou-se para lá. E em Junho desse ano mudou-se também para a casa actual, construída aos poucos num terreno em Guaba, junto ao bairro de Albazine, comprado em 2008. Nessa altura tinha só um filho, que se chama Paulo mas a quem todos chamam Kelvin, e a casa tinha ainda só um quarto e uma sala, meio por acabar.

Com os anos a casa foi crescendo, foi sendo rebocada, viu serem colocadas portas e janelas e também a cobertura, tudo graças às poupanças feitas através do tradicional xitique, que Rosílio começou a fazer ainda quando vendia junto ao Mundo's, com outros vendedores de confiança ali à volta. Considera que tudo o que construiu tem sido feito com estas poupanças, que só foram interrompidas em alturas de negócio fraco ou inexistente, como durante os anos da pandemia, quando ficou seis meses sem pisar a FEIMA, ou no rescaldo da agitação social que se seguiu às eleições de Outubro último, quando tudo voltou a ficar completamente parado. Nessa altura teve dois meses só de gastos. Só para o transporte precisa de 90 meticais por dia e muitos dias houve em que não vendeu nada. Algumas vezes teve ajuda de uma das irmãs, outras de colegas de trabalho.

Para além das crises no negócio, um dos momentos mais difíceis na vida de Rosílio aconteceu quando um dia foi visitar o pai a Xai-Xai, durante a guerra civil. Nessa altura, por volta de 1990, parte da população dormia no mato, por ser mais seguro. E foi o que o pai fez com os filhos, a quem avisou para não se mexerem, não respirarem, não tossirem, enquanto os escondia atrás das "campas dos passados", num cemitério familiar. Nessa noite, ouviram gritos do sítio onde estavam, por andarem por ali os soldados da Renamo. Do pai, Rosílio não se lembra de ter tido qualquer ajuda, mas lembra-se das visitas que este lhe foi fazendo, até 2016, ano em que morreu, ainda jogador no Totobola. A mãe continua entretanto na Polana Caniço e vive dos rendimentos de uma casinha que é de um filho que está na África do Sul e que ela arrenda. 

Sobre os momentos felizes que viveu, Rosílio destaca a amizade, ainda muito criança, quando vendia cestos pela cidade, com alguém que vivia no Hotel Polana e cujo marido trabalhava nos Cimentos de Moçambique, e que o ajudava ("Foi a primeira pessoa amiga que conheci", considera). O dia em que começou a morar em casa própria, sentindo um "alívio mental" que sente até hoje, ver a mulher a ter uma menina depois de ter tido três rapazes ("Era o sonho dela") ou ter conseguido fazer a cobertura da sua banca na FEIMA, com a autorização do Município e da Administração da Feira, juntam-se à lista das coisas boas.

Para o futuro, Rosílio gostava de ter outro terreno, com uma pequena casa, uma machamba para cultivar, um espaço para ter animais e onde pudesse descansar  mais à vontade ("Já está muito cheio o meu bairro"). E gostaria de ver os filhos continuarem a estudar, desejando que um dia se consigam sustentar individualmente. O filho do meio, com 12 anos, é também um "grande reparador", puxou ao avô. Repara qualquer coisa: uma chaleira ou o "zip (o fecho) de uma pasta (mochila)".  O mais velho, com 16 anos, diz que gostava de estudar economia. O maior medo de Rosílio é que ele não consiga estudar mais depois de concluir a 12ª classe.





Retrato feito a partir de conversas várias, sobretudo da realizada em Maputo no dia 30 de Março de 2025. É o décimo quinto de uma série sobre moçambicanos a ser publicada aqui no blogue.








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