Moçambique: alguém por aí faz xitique?

Moçambique tem-me ensinado palavras novas, sendo que antes de ali aterrar pela primeira vez não fazia ideia de que o lobolo, que é uma espécie de dote, é uma prática em muitas uniões e casamentos, de que quem compra alguma coisa pode eventualmente receber bacela, que é uma espécie de bónus, que depois de uma chuvada se podem enterrar os pés em matope (lama) ou que numa machamba (uma horta) se pode machambar. E também  maneiras diferentes de usar as palavras de sempre, como chamar "primeira sorte" ao filho mais velho, dizer que alguém "teve infelicidade" para informar que lhe morreu uma pessoa próxima ou utilizar a expressão "estar incomodado" para dizer que se está doente. E um destes dias ensinou-me, logo em duas ocasiões diferentes, o que é o xitique
De manhã, numa ida à FEIMA, a principal feira de artesanato de Maputo, e em conversa com um dos vendedores de capulanas, fiquei a saber que "toda a gente faz xitique", ou se não toda a gente pelo menos "oitenta por cento dos moçambicanos". "Até os nossos governantes fazem xitique", assegura-me Rosílio, que o faz semanalmente com um grupo de seis amigos e colegas de trabalho, com o objectivo de investir mais no negócio e fazer algumas melhorias em casa, e mensalmente com familiares, este com fins mais recreativos. E à noite, num jantar, partilhei a mesa com alguém que o faz com um grupo de 108 mulheres, para aplicação das poupanças em algumas causas sociais.
Mas afinal o que é o xitique, palavra da língua local ronga e que tem direito a vídeos no Youtube (aqui e aqui) e a notícias várias na imprensa escrita e online? Segundo o dicionário Priberam da Língua Portuguesa trata-se esta de uma "forma de associativismo comunitário em que os membros do grupo, geralmente constituído por amigos, colegas de trabalho ou familiares, contribuem periodicamente com um valor monetário para que cada um receba de forma rotativa o conjunto das contribuições". O que quer dizer que se alguém contribuir todos os meses com mil meticais num grupo de seis, vai receber seis mil meticais acumulados duas vezes por ano. E o mesmo para todos os membros do grupo, um de cada vez.
Para confirmar a afirmação do vendedor da FEIMA, de que "toda a gente faz xitique", faço eu uma sondagem e chego à conclusão de que esta é uma prática generalizada. Armando, vendedor de fruta a quem no Domingo de Páscoa compro umas mangas numa das ruas da cidade (antes que a época acabe), faz um xitique diferente, o xitique cartão, entregando todos os dias 100 meticais a um angariador que lhos devolve acumulados no final do mês (não lhe chego a perguntar mas imagino que lhe pague de comissão talvez o equivalente a um dia de poupança). Raimundo, empregado doméstico, faz xitique com um grupo de quatro pessoas contribuindo cada uma com cinco mil meticais por mês. E com o dinheiro poupado já comprou 1700 "blocos" (de cimento), ficando assim mais perto de concretizar o seu projecto de construção de uma "casa tipo 3, com cozinha e casa de banho no interior". Custódio, jardineiro, faz xitique mensalmente com as primas e os tios. E quando lhe pergunto se não seria a mesma coisa ser ele a poupar o dinheiro, explica-me que assim não há tentações de o gastar, numa capulana para a mulher ou nuns sapatos para a filha, por ele não estar por perto.
Não tivera eu um programa irrecusável em agenda (Bazaruto!) e continuaria o trabalho de campo sobre o assunto no próximo fim-de-semana, aceitando o convite para assistir a um xitique familiar nos arredores da capital. Xitique esse que há-de servir, espera o contemplado, para a conclusão da sala da casa a que ainda falta o telhado.


Caderno de xitique de um grupo de vendedores da FEIMA


Comentários

Enviar um comentário

Mensagens populares