Moçambique: recordando o mestre Malangatana

No regresso de uma visita ao mercado de Xipamanine, em Agosto de 2017, fiz um desvio e passei pela casa onde viveu Malangatana, no bairro do Aeroporto, em Maputo, uma casa com grades que são obras de arte, com muitas caras desenhadas ao estilo do artista. Agora, que passa mais um ano sobre a sua morte (faleceu no dia 5 de Janeiro de 2011 em Portugal, no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos), lembrei-me dessa visita. E também de, algum tempo depois, me ter cruzado com a sua viúva, Gelita Mhangwana, no decorrer de uma cerimónia de aniversário da galeria de arte Kulungwana. E uma chuva imensa a cair nesse dia sobre a Estação Central dos CFM, na Praça dos Trabalhadores, onde se concentravam os convidados.

Malangatana Valente Ngwenya nasceu no dia 6 de Junho de 1936 em Matalana, distrito de Marracuene, arredores da capital. O artista, que produziu trabalhos de pintura, escultura, tapeçaria, cerâmica, murais, desenho, foi também pastor, aprendiz de curandeiro (inspirado por uma tia), apanhador de bolas no clube de ténis da então Lourenço Marques (o que lhe permitiu continuar a estudar), músico, actor e poeta (em 1963 publicou alguns trabalhos no jornal Orfeu Negro e passou a fazer parte da Antologia da Poesia Moderna Africana). Malangatana foi ainda membro do Núcleo de Arte (centro cultural que continua de portas abertas na Rua da Argélia, em Maputo), militante da Frelimo, preso político no tempo colonial, bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian para estudar cerâmica e gravura, deputado após a independência de Moçambique, membro da Assembleia Municipal de Maputo, Artista da Paz nomeado pela UNESCO e Doutor Honoris Causa pela Universidade de Évora. Aos 25 anos fez, no Banco Nacional Ultramarino, a sua primeira exposição individual e ao longo da vida participou em exposições em Portugal, Itália, África do Sul, Suécia, Cuba, Finlândia ou Alemanha.

O mais famoso artista de Moçambique, que tem no seu túmulo escritas, em changana, as palavras Hambanine Tatana Wisa Ha Hombe a Ku Rhuelene (Adeus Pai Descansa em Paz), continua a ser lembrado. Várias obras de Malangatana, com destaque para a bela Encruzilhada de Culturas, têm vindo a ser reproduzidas pela Vista Alegre. Em Portugal, há uma escola com o seu nome em Alcabideche, a Escola Básica Malangatana, e uma rotunda  no Barreiro onde foi construída a escultura Paz e Amizade. Em Maputo, na 16ª edição da Mozambique Fashion Week, que decorreu em Dezembro de 2020, a estilista Shaazia Adam apresentou 25 peças de roupa inspiradas na pintura de Malangatana. Em Nova Iorque, em Maio de 2021, no leilão de arte moderna e contemporânea africana realizado pela Bonhams, uma pintura sua sem título, de 1965, foi vendida por 8 925 dólares. Entretanto, no ano passado, a Polícia Judiciária anunciou por cá a apreensão de 35 obras falsificadas, inspiradas no estilo do artista e comercializadas em leilões online por um trio de bandidos – que é como em Moçambique se chama habitualmente na imprensa a quem comete crimes (reportagem aqui).






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