#10 Diário de um regresso a Moçambique – Visita à Casa de Vidro na Macaneta

Há quatro anos, a 8 de Junho de 2021, não por acaso Dia Mundial dos Oceanos, era lançada na Macaneta a primeira garrafa da que é hoje conhecida como Casa de Vidro, um ecocentro construído com mais de 200 mil garrafas descartadas no meio ambiente, com vidro partido que substituiu a brita e também com pó de vidro que foi incorporado no reboco. Esta casa original nasceu por iniciativa da Cooperativa de Educação Ambiental Repensar e do seu responsável, o ambientalista Carlos Serra, que desde Abril de 2015 promove e participa em acções de limpeza sobretudo nas praias de Maputo (brevemente publicarei a sua história aqui no Blogue). Contou, para a sua construção, com a ajuda da Cooperação Norueguesa e também do parceiro Macaneta Beach Resort, em cujos terrenos se encontra localizada.

A Casa de Vidro, que é a sede do programa Macalinda, uma das iniciativas da Repensar e que Carlos Serra considera ser uma das suas maiores realizações, tem uma cozinha onde se confeciona piri piri, óleo de abacate ou "jam" de manga, maracujá ou canhu, disponíveis para venda, que é uma das formas de financiar o projecto. Tem também uma biblioteca bem equipada, uma estufa recente com mudas de mangal, plantas fruteiras e plantas nativas, um anfiteatro em madeira, uma figueira brava com mais de 100 anos, um museu e um "corredor da morte". No museu, há informações sobre a fauna da Macaneta, constituída por porcos do mato, macacos de cara preta ou cabritos vermelhos, mas sobretudo há caixas com escovas de dentes, talheres de plástico ou chinelos, muitas garrafas (uma de Moet & Chandon custa, cheia, 4800 meticais) e um Top 10 do lixo encontrado e recolhido na Macaneta em 2024. Tampinhas, cordas e linhas de pesca e garrafas de plástico lideram a lista. Já o "corredor da morte", todo feito com garrafas de xivothxongo (das marcas Tentação, Royal ou Marrabenta), que é o nome que se dá em Moçambique às bebidas alcoólicas de uns 45 graus vendidas muitas vezes a uns 50 meticais, pretende sensibilizar quem visita a Casa de Vidro para o problema, grave, do alcoolismo.

No Ecocentro da Macaneta há também um espaço de inclusão, onde se recebem actualmente mais de 100 crianças e jovens, beneficiários de refeições solidárias, de aulas extra curriculares de português, matemática, inglês ou educação ambiental e de actividades como o canto e a dança. Com elas e com alguns adultos da comunidade (estes nos tambores) se constituiu recentemente o primeiro grupo cultural da Macaneta. E há ainda outras actividades importantes por ali: a compra de garrafas PET e outros materiais recolhidos e levados pela população (um quilo de plástico duro e de tampinhas é pago a 10 meticais, um quilo de alumínio a 34); o restauro do ecossistema, como a contenção da erosão na ponta da Macaneta ou a contenção do rio Incomati através da construção de uma colossal barreira de pneus (o que permitiu salvar algumas das construções do Macaneta Beach Resort); a promoção da educação ambiental junto da comunidade e dos banhistas; ou a recuperação de alguns jovens através da oferta de um emprego, a tempo inteiro ou ao dia, o chamado biscate.

Para além da Casa de Vidro, Carlos Serra, que utiliza com frequência a expressão "A luta continua" (só num fim de semana de Maio foram recolhidas 1905 garrafas na estrada da Macaneta e 6078 no acesso à ponte na vila de Marracuene), tem actualmente em curso na Macaneta um projecto mais pessoal, em parceria com a sua mãe. Trata-se da Vila Liana (que é o nome da filha do ambientalista), ainda em construção, em plena floresta, também utilizando garrafas de vidro e da qual faz já parte o memorial Carlos Serra Sociólogo, uma homenagem ao pai, entretanto falecido. Fui conhecer o projecto na companhia de Clausêncio Ngovene, que está desde 2018 ligado à Repensar e é actualmente o coordenador do Macalinda e também o gestor da obra da Vila Liana. Clausêncio Ngovene, 32 anos, formado em Educação Ambiental pela Universidade Eduardo Mondlane, já era seguidor de Carlos Serra quando concorreu a um concurso de estágios. Ganhou e por ali ficou. Quando casou, em 2022, escolheu a Casa de Vidro como cenário para as fotografias.
















As actividades desenvolvidas pela Cooperativa de Educação Ambiental Repensar e pelo Ecocentro da Macaneta são fruto de trabalho voluntário e de algum trabalho remunerado e também do apoio de parceiros, de contribuições particulares e da venda de produtos como doces, piri piri ou camisetas (brevemente haverá também mel com a marca Macalinda, proveniente de colmeias entretanto já instaladas). Todos podem contribuir para o projecto, incluindo para as refeições solidárias que são dadas às crianças e jovens que frequentam a Casa de Vidro (Mpesa 843779914, contacto de Rosilene Inguane, que conduz o trator ou apanha cobras quando é preciso). Mais informações na página do Facebook da Repensar, através do e-mail cea.repensar@gmail.com ou do telefone +258 857186078.


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