África on the road (e muito out of road)

Dezoito dias (ou mais ou menos 432 horas de tempo), cinco países (ou seis, se contarmos com uma pontinha da Namíbia), sete fronteiras (e a da Zâmbia, para quem chega do Botswana, ganha até agora o prémio de lugar mais caótico do mundo), 4747 quilómetros no nosso 4x4 (mais uns 500 conduzidos por um guia num carro de safari), cerca de 560 litros de combustível (sendo que 20 saíram, numa emergência, da nossa bagageira), duas multas por um pouco de excesso de velocidade (já perto do final da viagem, uma à saída do Botswana, outra em Maputo, quase a chegar a casa), temperaturas que oscilaram entre os sete e os 34 graus (e que nos fizeram ir da t-shirt aos três casacos sobrepostos e dos três casacos à t-shirt) e poeira a rodos (e em que unidade se medirá o pó?).
Devo confessar que no início a ideia de sair de Maputo e alcançar por terra o Delta do Okavango, um dos maiores deltas interiores do mundo, e o Parque Nacional do Chobe, os dois no Botswana, e as cataratas Vitória, que se dividem entre a Zâmbia e o Zimbabué, me pareceu bastante louca. Mas ao entrar no Botswana, pela fronteira de Martin's Drift, comecei a acreditar que a viagem só podia correr bem. A lenda do Galo de Barcelos, escrita em inglês e estampada no tampo das mesas do restaurante onde fazíamos a primeira refeição no país (o Barcelos, que se havia de tornar uma espécie de quase cantina) dava-nos as boas vindas a um dos países mais tranquilos e prósperos do continente africano.
O Botswana, um protectorado britânico até 30 de Setembro de 1966 e a comemorar este ano cinco décadas de independência (há pedras à beira da estrada pintadas de azul, branco e preto, as cores da bandeira nacional, há gente um pouco por todo o lado com camisolas das mesmas cores), é um país da África Austral encravado entre a África do Sul, a Namíbia, a Zâmbia e o Zimbabué. E ao Botswana, um dos países mais escassamente povoado do mundo (são pouco mais de dois milhões os seus habitantes) e o maior produtor de diamantes, vai-se por causa da abundante e diversificada vida selvagem.
O primeiro objectivo da aventura era chegar ao Delta do Okavango, o que aconteceu ao quinto dia de viagem. Mas até lá aproveitámos o percurso para duas incursões à Central Kalahari Game Reserve e aos parques nacionais Makgadikgadi e Nxai Pans. Depois de uma noite em Middelburg, na África do Sul, e de outra em Palapye, já no Botswana, e de percorridos os primeiros oitocentos quilómetros na companhia de muitas vacas (que serão três vezes mais do que os habitantes), muitos burros e dos primeiros macacos e javalis africanos, fizemos um desvio para a parte norte da Central Kalahari, um dos maiores espaços protegidos de África. Dizem os guias que tem mais ou menos o tamanho da Dinamarca.


















A reserva de Central Kalahari é o coração do deserto do Kalahari, que cobre cerca de 84 por cento do Botswana, mas quando a visitei ainda não sabia que "deserto" é aqui uma palavra enganadora: o Kalahari é na sua maioria coberto por vegetação, uma espécie de savana árida. Pelo que não vi dunas de areia (areia, e muita, só nos trilhos) mas vi parte do belo e seco Deception Valley e alguns animais que o habitam: esquilos, aves (e muitos ninhos), galinhas do mato, gnus, impalas e outros antílopes difíceis de identificar (qual será a tradução para português de gemsbok, um antílope de cornos muito direitinhos?) e o que me pareceu ser uma raposa. À saída, depois de pouco mais de quatro horas de passeio, o guarda da Matswere Gate pareceu decepcionado quando percebeu que não tínhamos visto leões ou leopardos. Pelo meu lado, pensei que para uma visita rápida não esteve nada mal - até porque a essa hora já gozava o primeiro de muitos belos pores-do-sol.
























A segunda noite no Botswana foi passada no Tiaan's Camp, perto de Xhumaga e às portas de Makgadikgadi, para onde seguimos logo depois do pequeno almoço e depois de um dos donos do alojamento nos ter assegurado que "The winter is gone". E estava mesmo, tendo a temperatura nesse dia chegado aos 33 graus. Na Makgadikgadi Pans National Park (de manhã) e na Nxai Pan National Park (à tarde) vivemos horas felizes. Se avistar animais é sobretudo uma questão de sorte (e também de algum trabalho e persistência) em Makgadikgadi saiu-nos, à beira do rio Boteti, um verdadeiro jackpot de zebras e de gnus. Ficará esta paisagem seguramente no top das melhores que vi em África.






































A norte de Makgadikgadi e separada desta pela asfaltada A3 (ocupada por uma ou outra avestruz e rodeada também ela de zebras, girafas ou um elefante solitário) fica o parque de Nxai Pan, que tem como principal atracção os Baines Baobabs, um conjunto de sete embondeiros muito antigos (e também muito fotogénicos). Tornaram-se estes famosos graças às pinturas que deles fez o explorador e artista britânico Thomas Baines, em 1862 (e garantem alguns escritos que desde aí, apesar de terem passado mais de 150 anos, não sofreram nenhuma alteração a não ser talvez a quebra de um ramo).
Embondeiros à parte, uma deslocação até às Nxai Pan vale muito a pena pela beleza da paisagem (marcada por grandes áreas de salinas, nesta altura muito secas) e pela tranquilidade do local (depois de termos visto um carro ao longe, ficámos com os embondeiros e com uma imensa planície branca só para nós). Só um senão: os trilhos de areia são difíceis de percorrer para quem vai por conta própria e é com algum alívio que se regressa ao asfalto.  E siga a viagem até Maun, porta de entrada no Okavango Delta. Mas isso ficará para o próximo post (aqui).


























A  Rotas do Vento tem programas de 17 dias com partidas de Lisboa e com um percurso muito idêntico ao da viagem que programámos por conta própria. De camião todo o terreno e com 12 noites passadas em acampamentos de tendas duplas, visita-se o Delta do Okavanko e a reserva de Moremi, a planície salgada de Makgadikgadi, o Parque Nacional do Chobe e as cataratas Vitória. O custo por pessoa é de 3280 euros, com voos incluídos. A 4x4 Viagens, com sede no Porto, tem programas para o Botswana que oscilam entre os oito e os 20 dias e alguns incluem também a Namíbia e as cataratas Vitória.

Viajar por conta própria requer um bom planeamento prévio. É absolutamente necessário ter um 4x4, que deve ser abastecido de combustível extra (nós levámos dois jerricans de 20 litros cada e acabámos por usar um deles), uma pá (que ficou por estrear), dois pneus suplentes (que não chegaram a ser precisos), muita água e alguma comida de emergência. As estradas alcatroadas do Botswana estão em bom estado e ligam todas as principais localidades mas os trilhos de areia dentro das reservas e parques (cerca de 38 por cento da área do país) requerem um condutor destemido e experiente.

Seguir viagem com um GPS por companhia é uma boa opção. O nosso, da marca Garmin, não nos deixou ficar mal e identificou mesmo como uma atracção local um bebedouro para animais que estava a ser difícil de encontrar no Deception Valley, na imensa Central Kalahari Game Reserve.

O Botswana é um país caro para o viajante e há alojamentos com preços que podem arruinar qualquer orçamento de viagem. O campismo é a opção mais barata e há parques (ou locais onde é possível acampar) por todo o lado, sendo que os preços podem ir dos 7 dólares para um lugar (enorme) no Kwalape Sarafi Lodge, em Kasane, às portas do Chobe, aos 50 dólares por pessoa e noite para acampar na reserva de Moremi, em pleno Delta do Okavango.

Vários restaurantes da cadeia sul-africana Barcelos (que se apresenta como "The official home of portuguese flavour... with heart") estão presentes em várias cidades do Botswana (e em mais 17 países, sendo a Índia a conquista mais recente) e podem ser uma boa opção (e por vezes a única) para quem está em viagem. Tem vários menus à base de frango.

Os meses de Abril a Outubro são considerados como a melhor altura para visitar o Botswana, sendo que Junho e Julho são os mais frios (e as noites e madrugadas podem mesmo ser muito frias). Durante a época das chuvas, sobretudo entre Dezembro e Março, muitos caminhos podem ficar intransitáveis.

O site oficial do turismo do Botswana (aqui) tem muitas informações úteis sobre o país, sobre o que visitar, onde ficar e os contactos de agências de viagens e operadores turísticos locais.

Não há vacinas obrigatórias para entrar no Botswana (excepto a da febre amarela se se viajar de um país onde a doença exista), Zâmbia ou Zimbabué. Mas aconselham-se as vacinas da hepatite, poliomielite e febre tifóide. A malária existe sobretudo no nordeste do Botswana, pelo que há cuidados a ter e eventualmente fazer profilaxia (o risco aumenta na época de chuvas). Em matéria de saúde, o Botswana tem uma triste estatística: a seguir à Suazilândia, tem uma das maiores taxas de infectados com o vírus da sida (calcula-se que cerca de 38 por cento da população sexualmente activa).

Alguns guias (eu usei o Southern Africa, da Lonely Planet) divulgam a informação de que não se pode entrar nos parques e reservas do  Botswana (excepto no Chobe) como visitante por um dia e que é necessário ter uma reserva feita num alojamento no interior dos mesmos. O que na prática não acontece. Bilhetes para os vários parques custam 120 pulas por adulto (um pouco menos de 10 euros), mais 50 pulas para o carro.

O didáctico livrinho Did You Know? Mammals of Botswana, de Veronica Roodt, permite ir identificando os animais avistados (muito útil no caso dos antílopes e dos animais menos conhecidos). Tem fotos e informações curiosas sobre todos os mamíferos que habitam esta zona de África: como se organizam socialmente, o que comem, a que velocidade correm ou que pegadas deixam. Comprei o meu na loja da estação de serviço da fronteira de Martin's Drift.


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