África on the road: quatro dias à descoberta do Delta do Okavango

Sabia, mesmo antes de o fazer, que sobrevoar o Delta do Okavango, que se tornou em Junho de 2014 o milésimo sítio património mundial da UNESCO, seria o ponto alto desta viagem estrada fora. Literalmente o ponto alto apesar dos voos panorâmicos se fazerem a baixa altitude e o ponto alto no que à beleza da paisagem diz respeito. Imagine-se um rio, o Okavango, que nasce nas montanhas de Angola, passa pela Namíbia e desagua as suas águas não no mar mas nas areias do deserto do Kalahari (um deserto que no entanto não é bem um deserto, já aqui o disse). E que ao chegar lá forma o maior delta interno do mundo (ou nalgumas versões o segundo maior), com pequenas ilhas mais ou menos sazonais, lagoas, braços de rio e um habitat povoado de hipopótamos, crocodilos, elefantes, girafas, zebras, leões, antílopes vários, cerca de quatro centenas de espécies de aves e de mais de 70 espécies de peixes.
E um bom ponto de partida para a descoberta do Okavango é a poeirenta Maun, considerada a capital turística do Botswana e que tem como principal atracção a abundância de agências de viagens e de operadores de safaris. Quando ali chegámos tínhamos dois objectivos bem definidos: embarcar num pequeno avião e ver o Delta lá de cima (o que fizemos na companhia de dois portugueses, Ricardo e Tomás, um de Lisboa e outro expatriado em Luanda) e arranjar maneira de usar as duas noites ainda livres para uma deslocação à reserva de Moremi, na parte mais interior do Delta.
Depois de uma desastrosa troca de mails com o alojamento que tínhamos reservado em Maun (ver notas finais), em que eu perguntava uma coisa e me respondiam outra ou me davam preços loucos, era preciso tratar localmente da questão de Moremi (onde os preços de alojamento podem atingir os 153 euros só para um lugar para acampar). O que ficou resolvido logo no primeiro dia, por volta das nove e meia, depois de um encontro com Magakolodi Serumola (também conhecido por MG), da Bush Baby Calls. A partida ficou marcada para as cinco e meia da manhã do dia seguinte e o pacote, bem negociado, incluía três dias de safari com guia, duas noites em tenda, todas as refeições (com uma cozinheira e ajudantes a cozinhar numa fogueira, no meio do mato) e as entradas no parque. Mas já vamos a Moremi, sendo que por agora digo apenas que conhecer esta reserva foi quase mesmo tão fantástico como ver do ar o imenso Delta.
















































Depois do belíssimo voo matinal a ideia era ocupar a tarde com um passeio de mokoro, outro dos meios de explorar a área (provavelmente o mais tranquilo). Mas depois de nos deslocarmos ao Okavango Kopano Mokoro Community Trust, junto ao turismo e ao Airport Hotel, percebemos que não ia ser fácil subir a bordo de uma das canoas tradicionais. Só era possível reservar para o dia seguinte mas no dia seguinte já tínhamos o compromisso com Moremi.
Aceitando a sugestão de quem nos atendeu, partimos para o Okavango River Lodge, um alojamento à beira do rio Thamalakane que organiza também passeios de mokoro (de um, dois ou três dias, com noites a acampar) e de barco. Acabamos por comprar um passeio de barco baratinho (cerca de 8 euros por pessoa), de duas horas, e seguimos viagem na companhia de dois italianos, que havíamos de encontrar uns dias mais tarde em Kasane, às portas do Chobe (cansados com os difíceis trilhos de areia do Botswana mas felizes pela abundante vida selvagem). No regresso, e depois de uma paragem na Boro Boat Station, acolhemos também na nossa embarcação diversos viajantes cheios de tralhas que regressavam de um longo passeio em mokoro.
Correu bem a viagem pelo Thamalakane, onde crocodilos e hipopótamos (vimos um exemplar de cada) convivem com as vacas, os cavalos e os muitos burros que bebem e pastam por ali. E também com miúdos que regressam da escola, gente que lava ou estende roupa nas suas margens, que se abastece de água ou que apenas toma banho. E à chegada ao Okavango River Lodge mais um belo fim de dia, mais um belo pôr-do-sol.












































No dia seguinte, às cinco e meia da manhã e vestidos com toda a roupa quente que seguia na bagagem (e mais houvesse), aguardávamos o nosso guia para a aventura em Moremi - que se haveria de revelar uma boa companhia e que logo à chegada nos avisa que avistar mais ou menos animais é "uma questão de sorte". E eu acrescentaria agora, que já sei como correram os três dias e as duas noites no mato (sem electricidade, sem telefone, sem Internet e sobretudo sem cercas entre o improvisado acampamento e os animais selvagens), que sorte é chegar inteiro e vivo ao final.
Moremi, que ganhou em 2008 o título de "best game reserve in Africa" atribuído pela African Travel and Tourism Association, é a primeira reserva em África estabelecida pelos residentes locais. E é uma área (de 3900 quilómetros quadrados) absolutamente fantástica e um dos ecossistemas mais ricos do continente. É um paraíso para quem gosta de aves (há mais de 400 espécies, algumas delas migratórias, outras em perigo) e agora habitat para os big five (os rinocerontes foram recentemente reintroduzidos).
De Maun até Moremi são cerca de 90 quilómetros, os primeiros 30  em estrada asfaltada, os seguintes numa estrada de areia capaz de por à prova os ossos mais resistentes do corpo. Isso e o frio matinal (combatido ainda com uma manta e um saco-cama onde me enfio) fazem com que chegar à Buffalo Fence seja um momento feliz.
Formalidades de entrada cumpridas e começaram de imediato os encontros com os primeiros animais: muitas zebras, muitos elefantes, alguns inhacosos (antílopes que se identificam bem por causa da circunferência branca na parte de trás do corpo), girafas, muitas aves (são lindos os rolieiro-de-peito-lilás), muitas impalas, alguns hipopótamos, um ou outro crocodilo e mais zebras e mais elefantes. Almoçamos em cima do jipe (um arroz frito com pedacinhos de legumes e frango) e na companhia de um deles, que ia partindo calmamente uma árvore à nossa frente.
Sugah, assim se chamava o nosso companheiro de viagem, ia-nos falando das espécies com que nos cruzávamos (o que comem, que pegadas deixam...) e da paisagem que estava à nossa volta. E também do Botswana. Quando lhe pergunto como se vive no país (que apesar de ter um dos rendimentos per capita mais elevados de África tem uma boa parte da população que vive com um dólar por dia) diz-nos que há muito desemprego mas que as pessoas são felizes. E com humor acrescenta que os homens (em geral pouco poupados) gostam de beber e que é às mulheres que deve ser entregue a gestão do dinheiro.
A chegada ao acampamento, onde já se encontravam duas viajantes sul-africanas e o seu guia Armando (de origem angolana) e também uma cozinheira acompanhada de dois ajudantes, teve lugar a meio da tarde. Mas depois de nos instalarmos e de pensarmos que o safari do dia ficava por ali, o incansável Sugah ainda nos levou para mais umas voltas e para mais um pôr-do-sol (e também para um belo nascer da lua).
E depois de um primeiro jantar no mato (surpreendentemente bom) foi finalmente hora de recolher às tendas - com a indicação prévia de não sair de lá sem chamar pelo guia (adeus idas à casa de banho, que ali era um buraco cavado no chão e rodeado de uma cabine de lona), de fechar bem todos os fechos e de guardar no interior os sapatos, objectos geralmente roubados pelas hienas.






















































Ao segundo dia, com um novo despertar ainda antes do nascer do sol, tínhamos a jornada ganha por volta das 8.20 da manhã. E um coração que só não saiu do sítio porque não calhou. Depois de nos termos cruzado com mais de uma centena de búfalos e de tentarmos localizar um leão que outros visitantes e um guia nos asseguravam andar por ali perto, eis que o encontramos mesmo à nossa frente - demasiado à nossa frente e nós sem nenhuma protecção para além de um carro totalmente aberto.
E foi demorado o encontro. O leão, super focado e vigilante, tentava caçar um dos búfalos da manada e ia avançando na direcção dos que ficavam para trás. E nós avançando com ele. E fotografando, apesar de quase petrificados (ou pelo menos eu, que perguntei ao guia, baixinho, se ele não podia mudar de ideias e caçar-nos antes a nós).
Acabámos por seguir viagem sem ver a concretização da caçada (de búfalos ou de humanos), pelo que foi com alívio que escrevi no quadro do Third Bridge Campsite que tinha acabado de ver um leão a uns dois quilómetros dali. Três dias antes alguém tinha visto 11. Eu pelo meu lado fiquei feliz (não sei se mais feliz se assustada) com o nosso macho solitário.
Antes de rumarmos ao acampamento para almoçar (outra vez beef, que peixe no Botswana só de rio, que não chegámos a provar) e para uma pequena sesta (eu aproveitei para por os apontamentos da viagem em dia), um encontro com uma grande manada de elefantes contribui para mais um dia de sorte em Moremi. Que havia de terminar com um tranquilo passeio de barco (a motor) por um dos canais do Delta, rodeado de papiros e outra vegetação.


































Depois do encontro frente-a-frente com o leão na véspera, estava reservado para a segunda noite o verdadeiro susto da estadia em Moremi. O despertar teve lugar novamente muito cedo mas para despertar era preciso ter dormido. O que fui tentando fazer apesar de à volta da tenda (e por à volta da tenda entenda-se a uns dois ou três metros da mesma) as coisas não estarem tranquilas.
Ao amanhecer, confirmei com o guia as minhas suspeitas. Sim, elefantes (que dormem muito pouco ao longo das 24 horas do dia) tinham visitado o acampamento durante a noite e tinham ficado por ali a comer. O barulho que eu ouvia, para além dos seus bramidos, era o dos ramos das árvores mesmo à nossa frente a serem partidos (ingenuamente, ainda pensei por instantes que os guias ou os cozinheiros tinham enlouquecido e que andavam a apanhar lenha às 3 da manhã). E quando perguntei a Sugah quantos seriam, ele responde-me com um "a good number"...
Refeita, e depois de um pequeno almoço com torradas feitas na fogueira (enquanto o guia e ajudantes desmontavam o acampamento), aprovei bem o último dia no interior do Delta. Conseguimos ver finalmente alguns dos cães selvagens de uma matilha de 15 de que nos falavam desde o primeiro dia (e esta é uma espécie em perigo), encontrámos um grupo imenso de zebras numa imensa planície e um grupo de elefantes a fazer na sombra de uma árvore o que os seus companheiros deviam ter feito durante a noite: dormir. O guia ainda tentou "oferecer-nos" um leopardo, para despedida, mas apesar de termos seguido todos os sinais (pegadas, os avisos de algumas aves de que havia predadores à vista) não o chegámos a encontrar. E com tantas emoções talvez tenha sido melhor assim.
































O guia Southern Africa, da Lonely Planet, aconselha a reservar previamente o que se quer fazer no Delta, se possível ("Don't come to Maun and expect tu jump on a plane to a safari lodge or embark on an overland safari the next day"). Pelo meu lado, acho que negociar as coisas localmente as pode tornar bem mais baratas. O pacote para Moremi, comprado na véspera de partir ao operador Bush Baby Calls (00267 6800492), custou 3000 pulas por pessoa (cerca de 250 euros). Esse era o preço que o Staybridge Apartments and Suites, o nosso alojamento em Maun reservado em expedia.com, nos deu, via e-mail, para apenas uma noite de alojamento em tenda. E 3200 pulas era o preço para um dia de visita a Moremi, com almoço incluído (mais caro ainda do que os nossos três dias e duas noites).

O voo panorâmico de uma hora foi comprado, poucos minutos antes da partida, mesmo em frente ao aeroporto, na Air Shakawe (00267 6863620), por 2400 pulas para três (cerca de 200 euros). A Kavango Air, onde o voo para três ficava por 282 euros, é outra das opções (00267 6860323). 

A empresa Armando Travel & Tours (00267 6841232), que partilhou com o nosso operador o acampamento provisório que nos recebeu em Moremi, realiza safaris de um ou de vários dias para vários parques e reservas no Botswana.

O Okavango Kopano Mokoro Community Trust, junto ao turismo e ao Airport Hotel, é o melhor sítio para reservar passeios de mokoro (00267 6864806). O preço por dia para a "tripulação" é de cerca de 32 euros, mais 5 ou 6 euros por pessoa dependendo da porta de entrada.


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