Namíbia: turistando por uma aldeia Himba

Tínhamos passado a noite em Kamanjab, não muito longe do Etosha e mesmo ao lado do Impala Meat Market General Dealer, e o plano para a manhã desse dia era visitar a Otjikandero Himba Orphan Village, ali próximo, a cerca de 20 quilómetros. Mas as primeiras mulheres Himba que vimos saíram de uma casa em frente à nossa Melissa's Guest House, como quem vai para um dia de trabalho. Ou talvez ao supermercado, onde compram, soube mais tarde, as extensões de cabelo artificial que usam e que antes eram feitas das crinas de cavalos.
Uma meia hora depois desse encontro fomos recebidos com um "You are more than welcome" pelo guia Mário, que nos acompanhou numa visita um pouco apressada à aldeia Himba (e eu a precisar de mais tempo para decidir se tinha valido mesmo a pena ir até ali, de mais tempo para fotografar). Frase que repetiu mais tarde, logo depois de nos ter explicado que na aldeia existe uma linha imaginária que liga a entrada da cerca dos animais à porta da casa principal, passando pelo fogo ancestral, e que não pode ser transposta pelas mulheres menstruadas ou pelos visitantes não desejados. Não era o nosso caso.
O facto de sermos bem vindos não ajudou, no entanto, a resolver todas as dúvidas com que me vinha debatendo – Será aceitável pagar para visitar uma tribo com tradições e um modo de vida tidos como praticamente intocáveis ao longo de vários séculos? Será esta uma verdadeira aldeia ou uma aldeia para turista ver? E não estará esta gente farta de turistas e máquinas fotográficas? – mas ajudou-me a aproveitar da melhor maneira esta experiência turístico-antropológica. Afinal, se os Himba aceitaram receber há uns anos as gravações do Perdidos na Tribo (programa transmitido na TVI) e são visitados com frequência por gente de todo o mundo, pensei que não seria eu que os iria "corromper".
Avisados do modo de como nos havíamos de comportar (cumprimentar, fotografar à vontade mas mostrar sempre as fotografias tiradas, agradecer no final) e munidos de algum vocabulário básico em otjihimba (moro para bom dia, perivi para como está e okuepa para obrigado), partimos à descoberta desta cultura tão ancestral. As aldeias Himba têm o seu centro virado para o nascer do sol, um chefe e uma rainha escolhidos por uma espécie de parlamento (cargo que ocupam geralmente até à morte), uma casa principal e várias outras à volta (com paredes feitas de barro, sem janelas, os telhados em palha), um sítio para guardar os animais (vazio, na nossa passagem), um fogo que deve estar sempre aceso mas que nesse dia estava meio apagado e à volta do qual se fazem reuniões importantes e as cerimónias de circuncisão, os funerais (com algumas cinzas a ser postas no caixão) ou os casamentos (geralmente arranjados). E entre os Himba, um homem com muito gado pode ter cinco ou seis mulheres.
A visita prosseguiu e prosseguiu também a aprendizagem sobre as tradições deste povo. E no que respeita às mulheres, as únicas presentes, juntamente com algumas crianças, havia muito para aprender: as Himba cobrem o corpo e os cabelos com otjize, uma espécie de pasta avermelhada feita de pó ocre e de manteiga (que produzem numas cabaças a que chamam ondjupa, a partir do leite de cabra), usam um penteado que pode demorar uma semana a fazer, usam cintos de peles de animais e de conchas, umas saias também em pele, muitos colares, argolas nas pernas que têm a ver com o número de filhos, muitas pulseiras e pendentes para fazerem barulho quando dançam, uma espécie de coroa de pele de cabra ou de vaca na cabeça (erembe) depois de um ano de casadas ou depois do nascimento do primeiro filho. E nunca tomam banho com água, privilégio reservado aos homens, mas com fumaça e ervas aromáticas (e os visitantes são convidados a assistir a uma demonstração dentro de uma das casas). Tal como os homens, dormem no chão, sobre uma pele de animal, mas sem almofada, por esta, uma espécie de pequeno banco em madeira, estar também reservada aos homens. No início da adolescência, todos os Himba retiram os incisivos de baixo, para falar melhor e por motivos estéticos.
Deambulo um pouco mais por esta aldeia que tem uma origem diferente das restantes onde habitam Himbas (nasceu em 1999 pela iniciativa de Jaco Burger, o "Himba branco", que se casou numa cerimónia tradicional com uma mulher que não podia ter filhos e decidiu acolher por ali crianças órfãs ou em dificuldades), quando um dos miúdos, vestido com uma t-shirt e umas calças azuis de algodão, me pergunta, em inglês, o nome e a idade. Outro pede-me para lhe trocar uma moeda de dez cêntimos de euro pela moeda local. Algumas mulheres tentam vender algum artesanato e acabo por comprar uma caixa de cosméticos, feita em osso e idêntica às que servem para guardar a otjize e as ervas aromáticas usadas nos banhos de fumo.
Já depois de me despedir de Mário, dedico algum tempo à escolinha local, localizada nas proximidades das várias aldeias e muito perto do desvio da estrada principal. Tem esta na parede um mapa do mundo, uma cartolina amarela com o nome dos alunos e a data de nascimento de alguns deles, uma folha com as "golden rules", escritas em inglês, para um bom comportamento, outras folhas com as letras e com os números. Esta escola-infantário recebe actualmente 33 crianças até aos seis anos, sendo que depois dessa idade vão para Kamanjab.
Para Kamanjab seguiram também, nesse dia, duas mulheres que andavam pela aldeia e que nos pedem boleia. Uma delas, vestida com roupas ocidentais e um gorro de lã às riscas, faz-me perceber, apontando para a barriga, ainda discreta, estar à espera de um bebé. A outra, com a pele e o cabelo cobertos pela pasta ocre, vestida apenas com a tradicional saia em pele e ornamentada com vários colares e pulseiras, coloca um pano entre ela e o banco do nosso já danificado 4x4 (o que nos pareceu uma boa ideia). Da ancestral indumentária Himba só não fazia parte o telemóvel que tocou pouco depois da viagem ter começado.


Os Himba, originalmente nómadas e criadores de gado (embora a carne seja guardada para eventos especiais, como casamentos ou funerais), são um dos grupos étnicos da Namíbia e vivem maioritariamente à volta da cidade de Opuwo, a que o guia Lonely Planet chama "the unofficial capital of Himbaland". Habitam desde o século XV nas proximidades do rio Cunene, que marca a fronteira entre a Namíbia e Angola, embora só mais tarde adoptassem a denominação de Himbas. Falam a língua otjihimba, um dialecto Herero, de quem descendem, e prestam culto aos antepassados e a uma divindade a que chamam Mukuro. Não se sabe quantos são actualmente, mas calcula-se que possam ser entre 20 000 e 50 000.

Visitar a Otjikandero Himba Orphan Village, localizada a sul de Opuwo e nas proximidades de Kamanjab, custa 330 dólares namibianos por pessoa (cerca de 20 euros) ou 250 (cerca de 15) se se for integrado num grupo – preço pago por cada um do nosso grupo de três, depois de alguma negociação.

Mais sobre a viagem à Namíbia aqui. Opiniões dos visitantes no Tripadvisor sobre a Otjikandero Himba Orphan Village aqui










































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