Maputo: o VêSó esteve na Mafalala

Eram nove da manhã de sábado, e a temperatura a rondar os 30 graus, quanto fui surpreendida, junto ao Campinho da Mafalala, com um "Esqueci meu nome" dito por um dos miúdos que jogavam por ali com uma bola feita de sacos de plástico (e ainda a precisar de mais uns quantos para a encher). O esquecimento resolveu-se com a chegada de um amigo, altura em que decidi eu surpreender o grupo com uma bola que custou 230 meticais, pouco mais de três euros, numa loja nem a 100 metros do campo. E o jogo de futebol continuou, num bairro que viu crescer Eusébio, considerado um dos melhores jogadores de sempre, e onde ainda hoje a sua esventrada casa de chapa é uma das atracções de qualquer visita.
Desloquei-me à Mafalala no primeiro dia de Dezembro para participar no evento fotográfico VêSó, uma iniciativa que chegou a Moçambique pele mão da moçambicana Neide, depois de em 2015 ter estado em Luanda numa acção organizada por um amigo morador de um bairro que ia ser destruído, o Correia (e antes que desaparecesse, era preciso fotografá-lo, guardar as sua memórias). E desde o lançamento já esteve o VêSó, que se realiza mais ou menos de dois em dois meses e está aberto a todos os que queiram olhar e fotografar sem preconceitos, em Boane, na Manhiça, na Baixa da capital ou no Bairro dos Pescadores.
No bairro conhecido pela arquitectura de madeira e zinco e famoso por lá terem vivido muitas figuras histórias de Moçambique, entre políticos e gente da cultura, os participantes foram divididos em três grupos e conduzidos ao longo de mais ou menos três horas (e o calor a aumentar) por guias da associação IVERCA, que se juntaram ao VêSó nesta incursão pela Mafalala. Ao meu grupo calhou o guia Samuel, que nos levou às obras já avançadas do futuro Museu da Mafalala, financiado pela União Europeia e que vai ter uma guest house a funcionar no piso de cima, à casa de chapa azul que foi do músico Fany Mpfumo, conhecido como o "rei da marrabenta" (1928 – 1987), à casa onde morou o Presidente Samora Machel (1933 – 1986), a algumas das 15 mesquitas existentes no bairro (a Masjid Cadria Sadat foi construída pelos moradores originários da Ilha de Moçambique), à mercearia do senhor Cossa e a outras antigas cantinas que eram propriedade de portugueses, chineses e indianos e que eram as únicas construções de cimento (e que depois da independência foram usadas como escolas ou como sedes da Frelimo), à casa de Agostinho Mutemba, um dos fundadores do Núcleo de Arte (e diz-nos Samuel que o artista gosta de dizer que é melhor do que Malangatana), à fronteira com o bairro Magude, que nasceu durante a guerra civil e que era suposto ser temporário mas que por ali ficou, e, quase no final, à sede da IVERCA.
Já tinha estado na Mafalala de raspão, depois de uma manhã passada no mercado de Xipamanine, e gostei de voltar neste tour fotográfico. Gostei de percorrer as ruas do bairro, de me ter cruzado com muitos dos moradores, com a senhora que amassa e frita, num fogareiro a carvão, uns bolinhos que vende a 5 meticais, com um adepto do Benfica que tem uma fotografia de uma equipa antiga por cima do sofá na sala e ao lado um poster com o emblema do clube português (e que se sai com um "Há-de passar isso aí" quando um dos participantes do VêSó brinca com ele sobre os actuais resultados), com uns miúdos que se divertem num baloiço feito com dois paus em cima de um muro, com um homem rodeado de galinhas que me sorri, com a senhora que não queria ser fotografada (e com quem brinquei dizendo que as fotos roubam a alma) mas que afinal já queria e até queria a fotografia enviada por WhatsApp. Hei-de voltar outra vez ainda. Para fazer uma visita guiada com quem conhece bem a História da Mafalala. Talvez para ver actuar as mulheres do grupo de tufo, nessa manhã ocupadas numa cerimónia de aconselhamento destinada a cerca de 100 meninas.


 

 












































































O VêSó tem uma página no Facebook onde são anunciados os eventos futuros (sempre gratuitos) e publicadas as fotos dos já realizados. Mais informações sobre as próximas iniciativas através do mail vesomoz@gmail.com, do telefone +258 847394730 ou da página no Instagram (dedicado ao VêSó também em Angola).

VêSó à parte, a Associação IVERCA  – Turismo, Cultura e Meio Ambiente, constituída por jovens estudantes e profissionais de Turismo, realiza todos os dias visitas guiadas pela Mafalala, com a duração de três horas e com partidas às 9h e às 14h (e com uma média de 15 visitantes por dia). São sujeitas a marcação prévia e têm um custo de 2000 meticais por pessoa. Mais informações no site www.iverca.org ou através dos telefones +258 824180314 e +258 848846825.



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