Moçambique: como anima comer na Ilha

Quando o chef e viajante Antonhy Bourdain (1956 – 2018) visitou Moçambique para a realização de mais um No Reservations, que havia de estrear em Abril de 2012, encontrou na Ilha de Moçambique a melhor comida de África. Deliciou-se com um caril de caranguejo, que considerou talvez o prato de fusão mais famoso da cozinha local, com umas lulas fritas em argolas ao estilo da tempura e com uma lagosta gigante, um peixe vermelho e um xaréu grelhados. Tudo cozinhado por Zera Mohmedaly, que está agora na Apetur – Associação de Pequenos Empresários de Hotelaria e Turismo da Ilha de Moçambique mas que na altura ganhou o título de "best cook in the island". Pudera Bourdain regressar à Ilha e havia de gostar de comer nas barracas da Sara e da Saquina. Ou no Karibu.
A barraca da Sara, também conhecida como Bar da Sara ou Sara's Place, é propriedade de Sara Ismael Viegas e fica na Rua da Saúde, mesmo em frente ao Hospital de Moçambique e na divisão entre a cidade de pedra e cal e a cidade de macuti. Foi lá que provei pela primeira vez matapa de siri siri, especialidade moçambicana habitualmente feita com folhas de mandioca mas que na Ilha se cozinha com as folhas de uma alga e também com amendoins e castanha de caju. Um embondeiro não propriamente do tamanho de um bonsai é o elemento decorativo mais em destaque na sala de refeições da Sara, feita de caniço.
Mais adiante, no bairro do Museu e ao lado dos velhos correios, ainda em funcionamento, encontramos o  Karibu, de Jorge Forjaz, que abriu em 2015 e foi buscar o nome à palavra que em swaili significa bem vindo. Fica num edifício amarelo de dois andares, que tem a porta e as janelas com arcos brancos trabalhados e que no tempo colonial foi uma loja de roupa unisexo. O atum do Karibu, com sementes de sésamo (a que na Ilha chamam gergelim) ou com gengibre e malagueta, é uma das estrelas da ementa. Nos comentários do Tripadvisor – onde percebo que me escapou o pudim de abóbora e o creme de abacate – há quem o considere o melhor atum da sua vida ou também "Provavelmente o melhor bife de atum do mundo".
Na barraca – esplanada da Saquina, localizada no final da contracosta, antes da Fortaleza de São Sebastião e em frente ao mar (há mesas em que dá para ficar com os pés na areia), nunca comi atum. Mas fiquei feliz com o seu caril de lulas, com a salada de polvo, com as lulas panadas com farinha de mandioca, alho, limão e um pouco de picante, com o peixe serra grelhado e temperado pelo menos meia hora antes com um molho de leite de coco e coco ralado, cominhos, açafrão, alho, vinagre ou limão, com o doce de banana frita, feito com canela e açucar amarelo. E com o caril de caranguejo, feito com coco, manga e tomate. Por ele, era capaz de voltar à Ilha.
Pelo caril de caranguejo e pelas histórias de Saquina, que nos vai contanto como é quando vai à "cidade grande", onde tem de se comportar "como gente" e onde gosta de comer carne na pedra com "aqueles molhos": leva pestanas postiças, os seus melhores cabelos, come com talheres (embora em Nampula não tenha corrido bem, quando uma banana lhe voou do prato), enfrenta elevadores cheios de botões e escadas rolantes nem sempre fáceis de dominar. Saquina, que aprendeu a seguir em frente quando a vida não lhe correu bem, começou por vender apas que fazia em casa e refrescos pela rua e mais tarde vendeu quatro pulseiras para abrir o seu primeiro sítio ("Os macuas gostam de fazer poupanças em ouro", diz-me). Recuperou uma ruína em frente ao Escondidinho, onde subiu andaimes, pintou paredes, se borrou de tinta e onde vendeu moelas, pão e cerveja. Na localização actual, viu as águas, que chegaram até à estrada, destruir-lhe o restaurante, que voltou a reerguer. Oxalá por ali continue, a fazer "coisas boas", expressão que em macua se traduz por tzoziva e que é o nome da mostra gastronómica que se realiza habitualmente três vezes por ano. Conta com a participação de muitas das cozinheiras locais e é um bom motivo para programar uma ida à Ilha.


O Feitor, restaurante do hotel Feitoria e nome do gato ali residente, que tem uma esplanada sobre o mar, vista para o pôr do sol e também um bom atum com gergelim, o Rickshaw, vizinho do Feitoria, com a mesma vista e crepes grátis ao fim da tarde para quem for beber um chá, o Âncora de Ouro, bar, restaurante e pizzaria propriedade da sueca Eva Sandberg e agora explorado por Harry Porter (personagem da Ilha e deste blogue), o Escondidinho, que é também pousada, e o Flor de Rosa, que vale pelo terraço e pelo bolo de chocolate, são outras das opções gastronómicas da Ilha.

As datas de realização do Tzoziva, que pode acontecer na Ponte Cais, na Rua dos Arcos ou no Páteo do Museu, são anunciadas habitualmente na página da Apetur – Associação de Pequenos Empresários de Hotelaria e Turismo da Ilha de Moçambique no Facebook.

As reservas para o restaurante da Sara podem ser feitas pelo telefone +258 827982774,  para o Karibu pelo +258 843802518 e para a Barraca da Saquina pelo  +258 843697971.


Saquina na barraca da praia a cozinhar doce de banana

E na edição de Setembro de 2019 do Tzoziva, nos 201 anos da Ilha

A equipa de Saquina no último Tzoziva



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