Um ano de viagem ao Japão: Monte Koya
"Bus-Setsu Ma Ka Han Nya Ha Ra Mi Ta Shin Gyo Kan Ji Zai Bo Sa Gyo Jin Han Nya...". Eram seis da manhã de um dia de Agosto de 2019 e eu, com uma folha de papel na mão cheia de pequenas palavras, todas com apenas uma ou duas sílabas, tentava sem sucesso recitar o sutra de uma cerimónia matinal budista aberta a peregrinos e turistas. Estava alojada no mosteiro de Sekishoin, em Koyasan (ou Monte Koya), o local mais sagrado para o budismo Shingon no Japão, e acabava de riscar da lista mais uma coisa a fazer durante a viagem à Ásia: dormir num templo budista (e chama-se shukubo a este tipo de alojamento).
Há mais de 50 templos abertos ao público neste local de peregrinação localizado num vale verde rodeado pelos picos de oito montanhas, o que o torna na etapa mais fresca da nossa tórrida estadia de três semanas. Nós escolhemos o Sekishoin, um dos mais antigos (fundado há 1100 anos) e há uns anos alvo de críticas negativas por causa do acolhimento pouco simpático dos monges ou dos quartos pouco limpos mas que nos últimos tempos parece ter melhorado na opinião dos internautas. Mesmo a comida, composta por pratos vegetarianos cozinhados tendo em conta os ensinamentos budistas (e mais uma palavra nova a aprender, shojin ryori, que é como se chama ao conjunto do que é servido) consegue receber alguns elogios.
Mesmo ao lado do Sekishoin fica uma das entradas, a de Ichinohashi, para o cemitério de Okunoin, o lugar mais espiritual da espiritual Koyasan. Pode ser visitado de dia ou de noite, por conta própria ou em visita organizada e nós percorrê-mo-lo sozinhos, ao final do dia, a luz do sol quase a desaparecer. Até ao mausoléu de Kobo Daishi, o monge que construiu o primeiro templo em Koyasan, no ano 805, e que se acredita não estar morto mas em meditação eterna, são dois quilómetros de um caminho rodeado por lanternas de pedra, cedros altos, sepulturas e jazigos cobertos de musgo e algumas estátuas de Jizo em pedra, algumas com babetes vermelhos e gorros de lã. No final, milhares de luzes iluminam o templo.
A juntar ao cemitério tem Koyasan, que é percorrido por um autocarro circular mas onde sabe bem andar a pé, mais alguns sítios a não perder, mesmo que a visita seja de um dia. São eles o templo Kongobuji, originalmente construído em 1593 e que tem no seu interior algumas salas com pinturas decorativas e um jardim exterior em pedra, o Banryutei, o maior do Japão, ou o complexo budista Danjo Garan. Acolhe este o pagode Konpon Daito, um edifício laranja de 48,5 metros de altura, na altura em obras, a porta Chumon, incendiada como muitos edifícios do Monte Koya e mais tarde reconstruída, ou o templo Kondo Hall, onde são realizadas as cerimónias mais importantes e que tem no seu interior uma imagem de Yakushi Nyorai, o Buda da Medicina. Ali perto, pode o visitante tentar a sorte e apanhar uma agulha rara de um dos pinheiros considerados sagrados e milagrosos. Na altura não sabia mas era uma "agulha de três pontas" o que procuravam uns quantos japoneses curvados ou de joelhos com quem me cruzei.
Koyasan fica a 75 quilómetros de Osaka e a 71 de Nara e é acessível por comboio até à estação de Gokurakubashi e a partir daí pelo Koyasan Cable Car. Funciona todos os dias das cinco e pouco da manhã até às dez e tal da noite.
Todos os anos, a 13 de Agosto, realiza-se em Koyasan o Okunoin Mandokuyoe, ou Festival das Velas. Faz parte do Obon, o costume japonês de honrar o espírito dos antepassados.
O site Japan Guide tem todas as informações sobre o que fazer em Koyasan, Património Mundial da Humanidade, e uma página com vários links para saber mais ou reservar alojamento nos templos budistas (aqui). Alguns templos, 18, podem ser encontrado no Booking.
No Sekishoin, um quarto para três em estilo japonês (com fusuma, que são as portas de correr, uma zona para beber chá numa mesa baixinha, chão em tatami, que é uma esteira de palha, e camas futon, que são uns colchões que à noite se colocam sobre o tatami) custou 238 euros. Com casa de banho partilhada e jantar (servido à hora do lanche) e pequeno almoço (servido às 7h) incluídos. Mais informações: mail@sekishoin.net.
Algumas informações sobre os sutras cantados em cerimónias budistas (onde aprendo que o Ku da folha que guardo como recordação quer dizer vazio e o Do unidade ou identidade) no site Dojo Zen Lisboa.
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