Moçambique: que venha o champanhe para Paulina Chiziane celebrar o Prémio Camões

"Conheces? Prémio Camões 2021", envia-me uma amiga por WhatsApp, juntamente com o vídeo da entrevista que a agência Lusa fez à escritora moçambicana Paulina Chiziane, vencedora, por unanimidade, da mais recente edição do prémio instituído em 1988 pelos governos de Portugal e do Brasil – e que vai pela terceira vez para um escritor moçambicano: José Craveirinha ganhou o Prémio Camões em 1991, Mia Couto em 2013. Devo confessar que conheço mal, embora me dedicasse à leitura, mesmo antes de ter recebido a mensagem, de O Canto dos Escravos. Ou que tenha entretanto tentado encomendar Balada de Amor ao Vento, de 1990 e o primeiro romance de uma mulher a ser publicado em Moçambique, e Niketche – Uma História de Poligamia, que ganhou o Prémio José Craveirinha em 2002 (os dois esgotados na Wook em edição impressa, disponíveis em eBook por 9,99 e 11,99 euros).

Paulina Chiziane, que nasceu em 1955 em Manjacaze, na província de Gaza, a mesma terra do gigante Gabriel Mondlane, foi apanhada de surpresa quando alguém lhe ligou a dizer que provavelmente seria ela a vencedora do Prémio Camões deste ano, contou na entrevista dada à Lusa. E contou também que quando recebeu a confirmação, "uma informação feliz", estava tranquila na sua vida de camponesa, junto à fogueira, que é o seu lugar preferido mesmo em dias de calor, a cozinhar a sua "verdura" (imagino que uma matapa), que acabou por deixar queimar e nem chegou "de provar". 

A escritora, que escreve os seus livros a partir da "memória colectiva" dos moçambicanos, considera que "é todo um povo que é agraciado por este grande prémio". Paulina Chiziane, que teve a sorte de ir à escola, de aprender a ler e a escrever, pensa que um reconhecimento como este, para alguém que veio "do chão", que veio "de lugar nenhum", é um motivo de inspiração para uma outra geração. Quase no final da entrevista, Paulina agradeceu às pessoas que a ajudaram, principalmente ao seu editor português Zeferino Coelho, da Caminho, que há muitos anos achou que os seus escritos podiam ter "um lugar no mundo". E confessou ainda que este prémio – no valor de 100 mil euros – a apanhou "txonada", "raspada", o que significa sem dinheiro algum no bolso. Não está por isso em condições de festejar, diz que precisa antes de comprar champanhe.

Para melhor conhecer Paulina Chiziane vale a pena ver a entrevista dada a Ana Sousa Dias, em Por Outro Lado (Novembro de 2002). Ali falou Paulina, na altura a trabalhar para um projecto das Nações Unidas para a promoção das mulheres (e a importância que dedica nos seus livros aos problemas da mulher moçambicana e africana foi uma das razões para a decisão do júri), das diferenças entre os "dois países" de que Moçambique é feito, do país rural e do país urbano, do Sul patriarcal e do Norte matriarcal, da poligamia, que é comum a todo o território, da pobreza, do analfabetismo, do abandono escolar precoce, das gravidezes prematuras, do recurso às "magias secretas" ou "magias da fortuna", dos tempos da guerra (desejar uma boa noite nessa altura era um "desejo sincero", pois podia não se acordar vivo) e do que sobrou desses anos de conflito. A escritora falou ainda do seu primeiro livro ("Eu estava a escrever a minha historiazinha, nem sabia que estava a escrever um romance") ou de como vai escrevendo aquilo que lhe dá na gana, sem ligar a alguns "senhores da literatura", que acham que os seus livros têm características de oralidade. Que assim continue a escrever. Eu preparo-me para a conhecer melhor.





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