Duas semanas pela Suécia: Kalmar e Oland, a ilha dos moinhos de vento

"Alemães? Polacos?", perguntou-nos o rapaz da bilheteira do Kalmar Slott, um castelo que conta com mais de oito séculos de História, ficando surpreendido quando lhe respondemos "Portugueses": éramos os primeiros que via por ali. Estávamos em Kalmar, a primeira paragem de uma viagem de mais de 2500 quilómetros pelo sul da Suécia, feita quase sempre junto à costa, e ainda bem que fomos até lá. A cidade, uma das mais antigas do país e onde, em 1397, se reuniram sob a mesma coroa a Dinamarca, a Suécia e a Noruega, merece uma visita. Para além de ser a porta de entrada para a ilha de Olândia (ou Oland, em sueco), que tem nos moinhos de vento – mais de 400 – a sua imagem de marca.

Depois de uma noite passada no Stottshotellet Budget Accomodation, a versão mais económica de um hotel que se divide por vários edifícios (entre eles uma escola ali criada em 1823 ou a casa da  família Jeansson, que nela teve nove filhos – e mais cinco na casa para onde se mudou a seguir) e antes de fazermos a travessia da ponte de seis quilómetros que liga o continente à segunda maior ilha do país (das mais de 200 000 que a Suécia tem), demos uma boa volta por esta cidade costeira, ela mesma construída em parte sobre a ilha de Kvarnholmen. É lá que fica a catedral, na praça Stortorget, onde num sábado de Agosto estava montada uma banca de artesanato africano, a Vasterport ou Porta da Cidade, construída no século XVII e que fazia parte do sistema defensivo de Kalmar, e o Klapphuset, um lavadouro de tapetes a funcionar desde 1857 e instalado numa casa de madeira vermelha construída  junto à praia de Kattrumpan, sobre as águas do Báltico – parece que o sal ajuda a preservar as cores. É apresentado como a única estrutura do género ainda a funcionar em toda a Escandinávia.

Noutra ilha pequenina, em frente ao Stadsparken, jardim mandado construir no século XIX pelo  industrial Johan Jeansson (o pai dos 14 filhos do nosso Stottshotellet), e ao lado do cemitério da cidade, que mais parece um jardim à beira mar (como são os cemitérios na Suécia, sendo que um deles, o Skogskyrkogarden, ou Cemitério do Bosque, nos arredores de Estocolmo, onde está sepultada Greta Garbo, é Património Mundial da Humanidade), fica a atracção maior de Kalmar. Trata-se do castelo que já foi uma fortaleza medieval e um palácio renascentista durante os reinados de Gustav I, Eric XIV e John III e onde mais tarde funcionou uma prisão de mulheres, um armazém e uma destilaria. 

Hoje, o Kalmar Slott, que pode ser visitado por conta própria ou em visita guiada, acolhe um café e restaurante, eventos, como a feira de Natal (a de 2020 foi cancelada por causa da pandemia), e exposições permanentes ou temporárias. Na The Women's Prison mostram-se, através de retratos encenados mas muito realistas, alguns dos "crimes" e das punições a que algumas mulheres foram sujeitas ao longo de séculos (uma mulher que cometesse adultério podia ter de caminhar pela cidade, e dela ser expulsa, com duas pedras de 26 quilos penduradas ao pescoço; outra que tivesse um filho ilegítimo teria de se ajoelhar no "banco da vergonha" aos domingos durante a missa). Em Bhind the Horizon, a expo temporária de 2021 (até 7 de Novembro), do sueco Erik Johansson, considerado o "Magritte da Fotografia", podem ver-se cerca de 50 fotografias surrealistas, em grande formato. Todas feitas de várias camadas, de dezenas ou centenas de fotografias, num trabalho que mistura realidade e muita imaginação (mais sobre o artista aqui e aqui, galeria de imagens aqui).

Com a alma cheia de belas imagens, e antes de deixar Kalmar, damos uma espreitadela à Gamla Stan, que em sueco significa cidade velha, e percorremos a Vasagaten. Estreámo-nos ainda na compra de álcool, duas ou três cervejas locais para beber mais tarde, num país onde esta é uma actividade bastante controlada. Bebidas com um teor alcoólico superior a 3,5 apenas podem ser vendidas, tirando restaurantes e bares autorizados, na rede estatal de lojas Systembolaget (e a maiores de 20 anos). Em Kalmar, a Systembolaget  fica na Norra Langgatan, ao lado da agência Big Travel, e tem por lá vinhos da Argentina, de França, de Portugal, um Periquita ou um Moscatel de Setúbal, ou da África do Sul, com um saudoso Chocolate Block a custar uns 25 euros.






















 


Foi um prazer tranquilo percorrer a ilha de Oland, que tem 137 quilómetros de comprimento por 16 de largura máxima e uma paisagem de terrenos agrícolas a sul classificada desde 2000 como Património Mundial da Humanidade, por ser essa uma região dominada por um planalto de calcário, na qual os habitantes adaptaram o seu modo de vida às condições inóspitas (ver mais aqui). E provavelmente desde a Idade Média que Oland tem moinhos de vento, tendo chegado a uns 2 000 em meados do século XIX e mantendo actualmente cerca de 400 a marcar a paisagem, todos construídos em madeira, quase todos recuperados.

Atravessada a ponte que a liga ao continente e depois de um almoço piquenique junto aos primeiros moinhos, perto da cidade de Farjestaden, seguimos pelo costa sudoeste da ilha, estrada 136 abaixo, até à reserva natural de Ottenby, onde por pouco os visitantes não voavam com o vento. Ottenby, que integra a paisagem agrícola do sul de Oland classificada pela UNESCO, é considerada um dos melhores locais da Suécia para observação de aves, o que pode ser feito na companhia de um guia do Observatório de Aves de Ottenby (mais informação no site). Ottenby tem também o farol mais alto do país, com 42 metros, ao qual se pode subir para ver as vistas (é só ter atenção aos horários, aos dias de encerramento ou aos constrangimentos em tempo de pandemia). 

O regresso ao alojamento onde iríamos passar a segunda noite na Suécia  uma casinha de madeira em Morbylanga, a que deram o nome de Stugor/Lgh pa Sodra Oland e onde fomos recebidos com uma porta destrancada, a chave em cima da mesa e um welcome dito à distância pela proprietária, a partir da casa principal  foi feito pela costa leste da ilha, com uma paragem obrigatória em Eketorp. Trata-se de uma fortaleza circular que funciona como um parque de actividades durante o Verão, mas que estava fechada quando em Agosto passámos por lá, embora desse para entrar, talvez meio clandestinamente. Eketorp terá sido construída no século IV, mais tarde abandonada e ocupada novamente durante a Idade Média, como cidade fortificada. As suas ruínas foram descobertas nos anos 1960 e depois disso foi reconstruída, contando agora com réplicas de casas dos tempos em que ali viveu gente.

Oland tem ainda outra fortaleza a que vale a pena dar uma vista de olhos, o Castelo de Borgholm, que fica fotogénico com algumas vacas a descansar em frente. Fica muito perto de Borgholm, a principal cidade da ilha, que é há muito uma zona balnear popular (desde 1864 que o seu ar saudável faz chegar visitantes de toda a Suécia, alguns vindos num barco a vapor que partia de Estocolmo). E Borgholm foi, depois da passagem por quintas e aldeias agrícolas, de casinhas vermelhas de pescadores à beira mar e de muitas placas a indicar loppis (Loppis open, Loppis retro, Loppis a 900 metros, que depois de googlar percebi que eram vendas de tralhas ou antiguidades, que os suecos parecem adorar), o ponto mais a norte desta volta por Oland. Faltou percorrer a estrada entre Borgholm e Byxelkok, conhecer um moinho maior do que todos os outros, o de Sandvik e as praias de areia branca de Byrums Sandvik ou a maior e mais frequentada (tem 11 quilómetros) na localidade de Boda.





























Do aeroporto de Arlanda, a norte da capital sueca, a Kalmar são 424 quilómetros, menos de cinco horas de carro. Foi esta a primeira paragem de uma viagem de duas semanas, que incluiu no roteiro as cidades e localidades de Karlskrona (cidade naval que é Património Mundial da UNESCO), Ystad e Kaseberga (e um pôr do sol no misterioso sítio de Ales Stenar), Malmo e Lund (e um banho no Báltico em Falsterbo), Helsingborg (em frente a Helsingor, na Dinamarca), Gotemburgo, Marstrand, Lysekil, Stromstad, Vadstena (no interior, junto ao lago Vattern), Uppsala e finalmente Estocolmo, que teve direito a uma estadia de cinco dias.

Um quarto para três no Stottshotellet, na versão budget accomodation, custou 1495 coroas suecas, o equivalente a 146 euros, com pequeno almoço (de segunda a quinta, um jantar leve, servido das 18h30 às 20h30, está incluído na tarifa). A estadia em Oland, na casa Stugor/Lgh pa Sodra Oland, de 35 metros quadrados, custou 1218 coroas, cerca de 119 euros, sem pequeno almoço.

O jantar da única noite em Oland teve lugar na pizzaria Linda, em Morbylanga, onde percebemos que há sempre água gratuita nos restaurantes suecos, que uma cerveja pode custar o mesmo preço de um prato num restaurante não dos mais caros em Portugal e que oito horas é um horário já tardio para fazer a refeição da noite.

Horários, preços e informações sobre exposições e eventos no Castelo de Kalmar disponíveis  no site. Mais sobre o forte de Eketorp, que encerra durante o Inverno e que tem no seu interior informações sobre os 16 castelos antigos de Oland ou sobre os 15 locais da Suécia que são Património Mundial aqui.

Mais sobre a viagem de duas semanas pela Suécia aqui (Karlskrona, Ales Stenar, Ystad e Falsterbo) e aqui (Malmo e Lund).


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