#6 Diário de um regresso a Moçambique – Há livros a bordo da Chapateca

Com 11 e 12 anos li todos os livros juvenis que havia na biblioteca em frente à casa onde morava, na Amadora, e ainda hoje me lembro do nome da bibliotecária, a Dona Maria do Céu. Com uns 18 ou 19 li várias obras de Alice Vieira e também A Metamorfose, de Kafka, que estavam ali, à mão de semear, na biblioteca de Verão instalada no areal da Praia Grande, em Porto Covo. Pelo que neste regresso a Maputo não podia deixar de ir conhecer ao vivo a Chapateca, que já conhecia das redes sociais. A Chapateca é uma biblioteca itinerante instalada num chapa, o transporte mais comum de passageiros em Moçambique, que procura promover a leitura através da criação de bibliotecas comunitárias. E com isso, objectivo maior, combater o abandono escolar precoce, fazer com que as crianças continuem na escola.

A Chapateca, uma associação sem fins lucrativos, nasceu a partir de uma ideia antiga de Constância, também conhecida por Coco, que acredita que as acções individuais podem ajudar a mudar o colectivo e que sempre sonhou ter um "bibliobus". Nascida em Paris, filha de um pai engenheiro, Constância cresceu na Costa do Marfim, no Senegal, na Tunísia, nos Camarões, na Argentina, estudou em França e fez o Erasmus em Espanha, tendo mais tarde conhecido o marido na Costa do Marfim e trabalhado no Burkina Faso. Está em Moçambique há dez anos, primeiro na Beira e há oito em Maputo, onde trabalhou na ESSOR, uma ONG francesa que pretende ajudar a população mais vulnerável a adquirir os meios necessários para a melhoria das suas condições de vida. Actualmente, dos dez membros fundadores da Chapateca, é a única dedicada a cem por cento ao projecto, como voluntária.

Depois de um ano à procura de fundos e de parceiros locais, a Chapateca havia de ser inaugurada a 13 de Dezembro de 2023, com a ajuda da cooperação austríaca, que permitiu a compra do primeiro chapa. E no ano seguinte foi crescendo, com a criação de outros tipos de bibliotecas. Hoje, o projecto tem Minitecas, que são geleiras transformadas em coloridos armários de livros, ou Girafatecas, a partir da Girafa Solar como a instalada na Katembe, em parceria com a Fundação Carlos Morgado, e que permite à população carregar telemóveis, ouvir rádio ou ter acesso a livros e a jogos educativos. A partir de 11 de Abril tem também a primeira Kayateca, que é uma espécie de casa de livros (kaya é casa em changana). Está localizada numa escola em Gueguegue, distrito de Boane, num contentor marítimo reaproveitado, e chama-se Kaya Pico. Entretanto, Constância sonha já com txopelas transformadas em bibliotecas ou mesmo com uma Dhowteca, que seria instalada num dhow, o barco típico do Índico, e que permitisse chegar à ilha de Inhaca, que navegasse pelo rio Incomati e quem sabe um dia por Bazaruto.

Entre muitas outras iniciativas, a  Chapateca, que conta com uma equipa de jovens voluntários constituída por estudantes, mães solteiras ou empreendedores, desloca-se ao longo da semana para comunidades diferentes: às terças para Khongolote, onde faz parceria com o projecto Skate e Educação (brevemente por aqui a história do seu mentor, Francisco Luis Vinho), para Matola Rio, para a Katembe, para Marracuene ou aos sábados para a Macaneta e a sua Casa de Vidro, onde faz parceria com a Cooperativa Repensar, de Carlos Serra (também brevemente a sua história será contada aqui no Blogue). Nestes locais, trabalha sempre de forma lúdica e descontraída com os mesmos grupos de crianças, que ao todo serão actualmente cerca de 200.

Fui ao encontro da Chapateca em Khongolote, bairro dos arredores de Maputo, perto do Zimpeto, e também em Matola Rio, onde apanhei boleia deste chapa especial a partir do cruzamento da Mozal. No Luís Vinho Skate Park, em Khongolote, os voluntários Lucas, estudante a terminar Relações Internacionais na Universidade São Tomás de Moçambique, e Gabriel, estudante de Psicologia Organizacional na Eduardo Mondlane e a segunda vez na Chapateca (ainda "um pouco apreensivo"), orientavam as actividades de leitura e jogos com um grupo de rapazes que também por ali praticam skate. Na Matola, em instalações que pertencem à comunidade religiosa Bahai, a voluntária Ilda, que é licenciada em Teatro e actriz, leu com Maria, Júnior e Nando e mais oito crianças o Hipo e Hélio, um livro sobre a amizade. Em grupo, falaram como e onde se podem fazer amigos, mas também sobre as diferenças entre animais selvagens e domésticos, escreveram e leram frases a partir de uma palavra tirada ao acaso de uma garrafa, fizeram jogos para treinar a concentração ou para aprender as cores da bandeira do país. E na hora de escolher que livros queriam levar para casa, os miúdos pegaram em títulos como Os Três Porquinhos, O Macaco e o Crocodilo ou Gosto Muito de Ti. Haveriam de os devolver na semana seguinte.

















Mais informações sobre o projecto Chapateca, que vive de doacções e do apoio de alguns parceiros, como a cooperação austríaca ou o Porto de Maputo (tendo esta permitido contratar três dos voluntários), na sua página no Facebook ou através do telefone +258 841499012 ou e-mail info.chapateca@gmail.com.


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