Um bom regresso à cidade da Table Mountain

A Cidade do Cabo, capital legislativa da África do Sul e a segunda cidade do país em número de habitantes, tem um "je ne sais quoi" que conquista os viajantes: talvez a sensação de se estar quase no fim do mundo (ou pelo menos no extremo Sul do continente africano) e ao mesmo tempo numa cidade cosmopolita, seguramente a geografia única, com a Table Mountain e a colina de Signal Hill a dominarem a paisagem. Talvez as cores vivas das casas de Bo-Kaap, a boémia de Long Street, a vida descontraída nas recuperadas docas Victoria & Alfred, a gastronomia local e do mundo (e o que eu gosto do belga Den Anker) ou a beleza das praias e dos arredores, com destaque para o mítico Cabo da Boa Esperança ou para o jardim botânico de Kirstenbosch.
Mas se viajar para o Cabo será sempre um prazer, programar uma viagem para os primeiros dias do ano ou para o final de Março será uma festa. Da primeira vez que voei para lá (a partir de Maputo, via Joanesburgo) acabei por assistir, por acaso, à grande parada que é o Ministrel Carnival, com grupos de música a invadir ao longo de todo o dia o centro da cidade (é sempre a 2 de Janeiro ou em data próxima e pretende comemorar o dia em que era permitido aos escravos festejarem o novo ano). Neste regresso, viajei a pretexto da 17.ª edição do Cape Town Jazz Festival - que acontece todos os anos no final de Março ou início de Abril no International Convention Centre.
Depois de um dia passado a percorrer parte da rota dos vinhos, região que da primeira vez me escapou por falta de tempo, e de dois fins de tarde e noites a andar de palco em palco para ver e ouvir bandas sul africanas (que loucura boa o concerto dos Mafikizolo), norte-americanas (Lizz Wright foi uma das estrelas do segundo dia) e do mundo (que belo concerto o de Amadou & Mariam, do Mali) estava disponível para me fazer de novo à cidade. Mas com as pernas em mau estado depois de tanta música, decidi apanhar um dos autocarros turísticos da City Sightseeing que percorrem Cape Town e arredores - o que foi uma estreia absoluta neste tipo de transporte.
Parti de See Point, subúrbio criado no século XIX (o primeiro da cidade e ao qual se chegava em charrete) e agora um bairro à beira mar (sem ter propriamente praia), com dois objectivos para o dia: conhecer o District Six Museum (fechado nos dias que por ali estive na passagem de ano 2013- 2014) e voltar a subir ao cume da montanha plana, uma das sete maravilhas naturais do mundo desde 2011. Entre uma coisa e outra, tive ainda tempo para uma espreitadela ao Waterfront (primeira atracção turística da África do Sul, seguida do Kruger Park e da Table Mountain, e onde havia de voltar com mais tempo), dar uma vista de olhos às obras do velho silo de cereais que será em breve um museu dedicado à arte contemporânea (foi durante muito tempo o edifício mais alto do Cabo), para me cruzar com a estátua do navegador português Bartolomeu Dias (o primeiro a dobrar o Cabo das Tormentas, mais tarde da Boa Esperança, e que nunca chegou a pisar a cidade), para descansar um pouco no Company's Garden (onde há quem durma, quem alimente os pombos, quem brinque com os esquilos) ou para me encantar de novo com as cores do bairro muçulmano de Bo-Kaap, ou "acima do Cabo", e que os escravos libertados, obrigados a vestir roupas de cores suaves, pintaram de verde, cor-de-rosa, azul ou amarelo.
A visita ao District Six Museum, que ocupa desde 1994 o espaço de uma antiga igreja, revelou-se interessante, emocionante, didáctica. Trata-se de um museu único, pois única é a história que conta. No dia 11 de Fevereiro de 1966 o Governo sul-africano declarou o Disctrict Six uma área apenas para brancos, tendo demolido as casas de 60 mil residentes, que foram obrigados a mudar-se para zonas afastadas do centro.
Dividido em dois andares, conta o museu com um original espólio composto por histórias ("60 000 stories that will never be demolished", lê-se no folheto dado à entrada), fotografias, artigos de jornais, um mapa do bairro que ocupa grande parte do chão do andar de baixo e que conta com as assinaturas dos ex-moradores no lugar das respectivas casas, uma estrutura construída com as placas dos nomes das ruas (que foram guardadas pela pessoa encarregue de as retirar), objectos como um banco reservado a brancos ou a reconstrução de negócios do bairro (como um cabeleireiro ou uma barbearia) e o interior de uma habitação. É possível percorrer o espaço por conta própria ou na companhia de um guia, que é sempre um ex-residente, o que só percebi depois de ter começado a visita (acresce apenas 15 rands ao preço normal do bilhete, que custa 30 -  no total cerca de três euros).
E do city bowl, onde dei ainda uma volta pelo mercado de artesanato da Green Market Square, talvez um dos sítios mais africanos da cidade, com vendedores e produtos de vários países ali à volta, segui para o ponto alto da jornada: os 1000 metros a que se eleva a Table Mountain. As condições de visibilidade não eram as melhores, com as nuvens a rondar o topo, mas era naquela tarde ou talvez nunca mais.
O autocarro vermelho da City Sightseeing tem uma paragem junto à estação de partida do teleférico (inaugurado em 1929) e é nele que faço, em poucos minutos, a ascensão ao topo. Também se pode subir a pé, o que será coisa para algumas horas, dependendo o número destas da condição física e do ponto de partida. E uma vez lá em cima, há vários trilhos para caminhadas ou passeios mais curtos com guia. Ou então, é ficar a observar a paisagem.
E a paisagem vale sempre a pena, mesmo que o cume esteja um pouco tapado por nuvens - o que acontece com frequência. Desta vez, só o lado da Beach Road era bem visível lá do alto mas assim que o teleférico desceu dois ou três metros a cidade ficou toda a descoberto. E não pude deixar de reparar nas três torres mesmo no limite da linha de construção, que muitos consideram um atentado urbanístico (terá nascido de uma lacuna na lei). Tinha ouvido pouco antes, nos comentários que acompanham o percurso do autocarro turístico, que os habitantes do Cabo lhes chamam "sal, pimenta e mostarda", o que faz sentido pela forma dos edifícios.
Antes de regressar a See Point, quase levada pelo vento, passo pelos 12 Apóstolos, as formações rochosas que enquadram a praia de Camps Bay, a maior da cidade mas menos abrigada do que os areais de Clifton Bay, ali perto. Passeio pela praia, mas não chego a experimentar a água do mar, que adivinho gelada.  E a água gelada (e dizem-me que no Verão é ainda mais fria, com temperaturas entre os 10 e os 14 graus) é uma das coisas menos boas do Cabo. Isso e, a outro nível, as desigualdades sociais. Impossível ficar indiferente a quem procura coisas no lixo para comer ou a quem dorme no relvado onde de manhã aterram os praticantes de parapente.


















































































O tempo em Cape Town é geralmente ventoso, bastante imprevisível e de mudanças bruscas. O Verão (de Dezembro a Março) é a estação quente e seca e o Inverno (de Junho a Setembro) é habitualmente tempo de chuvas e de temperaturas mais baixas. O que não significa que o Verão não tenha dias - ou pedaços de dias - frios e o Inverno não tenha dias quentes.

Os autocarros da City Sightseeing, presentes em mais de 100 cidades do mundo, têm em Cape Town várias linhas: a amarela só para o centro da cidade, a vermelha que percorre a Long Street, passa pelo acesso à Table Mountain, pelas praias e pelo Waterfront, a azul para uma volta pela Península e a roxa para um wine tour. Os bilhetes para um dia custam 180 rands (cerca de 11 euros) por percurso, para dois dias e para todos os percursos 280 (17 euros), com um passeio de barco incluído.

Os bilhetes para o Festival de Jazz, que este ano decorreu nos dias 1 e 2 de Abril, custam 590 rands por dia (cerca de 36 euros) e podem ser comprados aqui.

Os bilhetes para o Table Mountain Cableway custam 240 rands (cerca de 15 euros) para ida e volta e metade deste valor para apenas um percurso. Opção que pode ser usada por quem faz a subida a pé e o regresso de teleférico - ou o contrário.

Há em Cape Town restaurantes para todos os gostos e orçamentos. Da primeira visita ficou para a história dos bons jantares uma refeição no Savoy Cabbage, que é também um champagne bar. Mas sobretudo ficaram os mexilhões e as batatas fritas do Den Anker, no Waterfront, com uma esplanada junto à água, a que agora voltei (na verdade duas vezes) para um seafood platter (na falta de mexilhões). Para uma versão bastante barata, rápida e de boa qualidade, existe o Food Lover´s Market (St Georges Mall, 122): um sumo de laranja natural e 12 rolinhos de arroz e salmão não chegaram a 55 rands (cerca de 3 euros e 40 cêntimos).


Comentários

Mensagens populares