Maputo: à procura do 3385

O avião vindo de Lisboa aterrou em Maputo um pouco antes das sete da manhã e por volta das onze já tínhamos dado início à missão principal da estadia em Moçambique de uma amiga que vinha a bordo: encontrar a casa onde viveu com os pais até aos nove anos, após ter viajado para África com 18 meses. Soube mais tarde que no mesmo voo chegou também, para participar nas comemorações dos 75 anos da cidade de Quelimane, um emocionado senhor de 96 anos que não vinha a Moçambique desde os seis.
Depois de uma pesquisa no prestável Google, fiquei a saber que a rua onde morou, a Avenida Afonso de Albuquerque dos tempos de Lourenço Marques, herdou depois da independência o nome do primeiro Presidente da Guiné e se chama agora Avenida Ahmed Sekou Touré. E que a escola primária que frequentou perdeu o nome de Rainha Dona Leonor e é agora a Escola Secundária Eduardo Mondlane, localizada já não na Avenida Pinheiro Chagas mas na avenida que presta homenagem a Mondlane, um dos fundadores e primeiro presidente da FRELIMO. Informações recolhidas, só nos restava pôr os pés (e o carro, conduzido ainda timidamente pelo lado esquerdo) a caminho.
E no final de alguns quilómetros (o número que procurávamos, o 3385, fica bem no fim da Avenida Touré, já com vista para a futura ponte da Catembe) damos por ganho o dia. O prédio de rés-do-chão e mais dois andares lá estava, mais velhinho mas intacto. Com o mesmo gradeamento na varanda que serviu de cenário para uma foto com mais de 40 anos, com os buracos que a minha amiga usava para comunicar com a amiga do prédio ao lado, com o corredor estreito para aceder aos pisos de cima, com o terraço com vista para a cidade à volta.
Quando já estávamos felizes por a casa ainda existir e a termos encontrado (mas sem grande esperança de lá conseguirmos entrar, por o prédio parecer estar deserto) ouvimos um olá vindo de alguém escondido por uma espécie de serapilheira que cobre as varandas. Era Ivan, um moçambicano tão simpático quanto viajado e morador não no andar objecto de todas as atenções mas no apartamento por baixo. E que depois de ouvida toda a história (documentada pelas várias fotografias chegadas de Lisboa) nos abre as portas da sua casa. O que foi quase tão bom como entrar na casa do segundo andar.
"Não abra ainda", disse-lhe em frente à porta fechada a minha amiga, que se lembrava da planta e fez questão de lho mostrar ("Aqui em frente fica a cozinha, do lado esquerdo a sala, ali fica o quarto..."). E uma vez lá dentro ficámos à conversa, a partilhar histórias (o nosso anfitrião contou a de um português que regressou à sua casa algures em Moçambique, num prédio de cinco andares, e que pediu ao dono para partir uma parede por aí ter deixado escondido um verdadeiro tesouro de ouro e jóias e que quando nos viu muito interessados no seu prédio achou que o seu dia tinha chegado) e também emoções, com direito a lágrimas e tudo.
Missão encontrar a casa cumprida, faltava encontrar a escola, tarefa que adiámos por uns dias por nessa altura estarem os miúdos em férias escolares (e também porque as ilhas de Bazaruto esperavam por nós). Mas quando a encontrámos foi quase tão emocionante como ter encontrado o apartamento. Na companhia de um professor de Educação Física percorremos vários espaços e entrámos em várias salas, sendo que na sala onde a antiga aluna tinha feito a segunda classe estava a decorrer uma aula de geografia (dedicada aos lagos, informava o sumário escrito no quadro) que virou uma espécie de estúdio fotográfico, com a visitante principal a ser fotografada no meio dos estudantes e com a adolescente do grupo, filha da ex-aluna, a ser fotografada com alguns dos rapazes menos tímidos. "Eu vou-te procurar", prometeu-lhe um, depois de lhe ter pedido um autógrafo.
E entre as visitas à casa e à escola, houve ainda oportunidade para uma paragem em Marracuene, a Vila Luísa dos tempos coloniais, onde a emocionada Helena também se lembrava de ter estado. E de aí ter sido fotografada junto de um muro e de uns pilares em pedra que reteve na memória. Foi fácil descobrir o cenário da foto: o miradouro sobre o Incomati, agora invadido pela vegetação, mesmo ao lado de um jardim e do edifício que é a sede do Governador do distrito. "Atravessaste o rio?", pergunta-lhe a mãe por telefone, enquanto ouvia relatos das aventuras por Moçambique. Havia de atravessar uns dias mais tarde, para uma ida à praia da Macaneta, já não no muito velho batelão mas na nova ponte inaugurada em finais do ano passado.




















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