Em Mecubúri, o dinheiro já não irá para debaixo do colchão
O meu mais frequente companheiro de viagem deslocou-se ao distrito e à vila de Mecubúri em trabalho. E eu, que me encontrava em Nampula, a caminho da festa dos 200 anos da Ilha de Moçambique (reportagem aqui e aqui), aproveitei a boleia. Lançar a primeira pedra de uma futura agência bancária e avançar mais um passo no projecto Um Distrito Um Banco era o objectivo de uma jornada que nos levou mato adentro, percorrendo a ER510 em terra batida ao longo de cerca de 80 quilómetros e mais ou menos duas horas de tempo. E mais 80 quilómetros e mais duas horas para o regresso.
O programa Um Distrito Um Banco, lançado pelo Presidente Filipe Nyusi a 9 Agosto de 2016, na cidade de Maxixe, é uma das prioridades do Governo e tem como objectivo dotar todos os distritos do país com a presença de uma instituição bancária até ao final de 2019, favorecendo com isso o desenvolvimento das comunidades (sendo que o Millennium bim, o BCI e o Moza são os parceiros desta iniciativa). Com a abertura de um banco em Mecubúri ficará assegurada a bancarização de 110 dos 154 distritos de Moçambique – onde se calcula que apenas cerca de 36 por cento da população adulta tenha conta bancária.
Com ou sem conta bancária, a população de Mecubúri (constituída por muitas crianças, uma delas a vender copinhos de arroz novo a cinco meticais, uma espécie de snack feito de arroz cru e meio molhado, e imensos jovens, muitos a quererem ser fotografados) esteve bem representada no evento. E contou este com uma cerimónia tradicional (debaixo de uma árvore, evocaram-se em língua macua os espíritos dos antepassados, pedindo boa sorte para o novo empreendimento, enquanto se ia retirando farinha de um pequeno alguidar azul para um pano branco sobre o chão), com a colocação dos primeiros tijolos (e os operários de serviço a usar um nível para tudo ficar direito), com uma ou duas cantigas interpretadas por um grupo de meninas ("O nosso pai é o pai Nyusi, a nossa mãe é a mãe Isaura, o nosso tio é o tio Guebuza, o nosso avô é o avô Chissano") e com os discursos da praxe.
O governador do distrito de Nampula. Victor Borges, usou da palavra e parecia estar feliz pelo banco "que vai chegar daqui a pouco" (e na língua local disse aos presentes que já não vai ser preciso guardar o musurukhu debaixo do colchão). Mas também pelo projecto de instalação de uma universidade na região ou pelos trabalhos em curso para melhorar o acesso à água potável. A melhoria das vias de acesso há-de vir mais tarde.
Por agora, chega-se a Mecubúri (onde a energia eléctrica da rede nacional também só chegou em 2014) percorrendo uma estrada de terra absolutamente cor-de-laranja em alguns troços e onde não é possível acelerar muito para além dos 40 quilómetros. Nas bermas, muito verdes, o mesmo cenário de quase todas as estradas rurais em Moçambique, com uma ou outra nuance regional. A paisagem é salpicada de montes de granito muito fotogénicos, conhecidos como inselbergs, de casas feitas de palha, de canas ou de tijolos de barro, de centenas de miúdos a caminho ou de regresso da escola, transportando os livros nuns originais embrulhos de capulana, de raparigas e mulheres a esmagarem talvez milho em grandes pilões de madeira, por um menino muito novo com um ainda mais novo pela mão e um bebé transportado às costas, por gente a tomar banho em pequenos riachos, por bicicletas muito carregadas. E em Rapale, já quase a chegar a Nampula, por uma banca com pequenos ratos em espetos.
O encontro com os roedores à beira da estrada (eu seguia atenta, pois já sabia que era provável que acontecesse) fez-me rever o programa No Reservations, de Anthony Bourdain, dedicado a Moçambique (emitido pela primeira vez em Abril de 2012), que começou com um almoço numa aldeia sem água nem luz (e que pelas formações rochosas à volta será na região de Nampula), onde se come habitualmente mandioca cozida mas também ratos como importante fonte de proteína no quotidiano ou uma cabra guisada em dias especiais (que foi o caso). Bourdain, chef, escritor e apresentador norte-americano que se suicidou este ano num hotel em França, emocionou-se em Moçambique por causa de uma "economia desfeita" e uma "sociedade arrasada" pelos 16 anos de guerra civil, mas encantou-se com um lugar diferente de todos os que já tinha visitado, com um povo "incansavelmente simpático" e com uma "comida extraordinária", a melhor que comeu em África (sobretudo a da Ilha de Moçambique, para onde seguiu viagem). Era capaz de gostar de voltar.
Com ou sem conta bancária, a população de Mecubúri (constituída por muitas crianças, uma delas a vender copinhos de arroz novo a cinco meticais, uma espécie de snack feito de arroz cru e meio molhado, e imensos jovens, muitos a quererem ser fotografados) esteve bem representada no evento. E contou este com uma cerimónia tradicional (debaixo de uma árvore, evocaram-se em língua macua os espíritos dos antepassados, pedindo boa sorte para o novo empreendimento, enquanto se ia retirando farinha de um pequeno alguidar azul para um pano branco sobre o chão), com a colocação dos primeiros tijolos (e os operários de serviço a usar um nível para tudo ficar direito), com uma ou duas cantigas interpretadas por um grupo de meninas ("O nosso pai é o pai Nyusi, a nossa mãe é a mãe Isaura, o nosso tio é o tio Guebuza, o nosso avô é o avô Chissano") e com os discursos da praxe.
O governador do distrito de Nampula. Victor Borges, usou da palavra e parecia estar feliz pelo banco "que vai chegar daqui a pouco" (e na língua local disse aos presentes que já não vai ser preciso guardar o musurukhu debaixo do colchão). Mas também pelo projecto de instalação de uma universidade na região ou pelos trabalhos em curso para melhorar o acesso à água potável. A melhoria das vias de acesso há-de vir mais tarde.
Por agora, chega-se a Mecubúri (onde a energia eléctrica da rede nacional também só chegou em 2014) percorrendo uma estrada de terra absolutamente cor-de-laranja em alguns troços e onde não é possível acelerar muito para além dos 40 quilómetros. Nas bermas, muito verdes, o mesmo cenário de quase todas as estradas rurais em Moçambique, com uma ou outra nuance regional. A paisagem é salpicada de montes de granito muito fotogénicos, conhecidos como inselbergs, de casas feitas de palha, de canas ou de tijolos de barro, de centenas de miúdos a caminho ou de regresso da escola, transportando os livros nuns originais embrulhos de capulana, de raparigas e mulheres a esmagarem talvez milho em grandes pilões de madeira, por um menino muito novo com um ainda mais novo pela mão e um bebé transportado às costas, por gente a tomar banho em pequenos riachos, por bicicletas muito carregadas. E em Rapale, já quase a chegar a Nampula, por uma banca com pequenos ratos em espetos.
O encontro com os roedores à beira da estrada (eu seguia atenta, pois já sabia que era provável que acontecesse) fez-me rever o programa No Reservations, de Anthony Bourdain, dedicado a Moçambique (emitido pela primeira vez em Abril de 2012), que começou com um almoço numa aldeia sem água nem luz (e que pelas formações rochosas à volta será na região de Nampula), onde se come habitualmente mandioca cozida mas também ratos como importante fonte de proteína no quotidiano ou uma cabra guisada em dias especiais (que foi o caso). Bourdain, chef, escritor e apresentador norte-americano que se suicidou este ano num hotel em França, emocionou-se em Moçambique por causa de uma "economia desfeita" e uma "sociedade arrasada" pelos 16 anos de guerra civil, mas encantou-se com um lugar diferente de todos os que já tinha visitado, com um povo "incansavelmente simpático" e com uma "comida extraordinária", a melhor que comeu em África (sobretudo a da Ilha de Moçambique, para onde seguiu viagem). Era capaz de gostar de voltar.
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