A enigmática Vivian Maier em exposição no Centro Cultural de Cascais

Uma ida a Cascais por estes dias pode ser também uma viagem a Nova Iorque, a Chicago ou à Flórida dos anos 50, 60 ou 70 do século passado. O Centro Cultural da vila recebe até 18 de Maio 135 trabalhos, entre fotografias e filmes em Super 8 realizados de 1953 a 1984, da misteriosa Vivian Maier, a fotógrafa que durante cerca de quatro décadas se "disfarçou" de ama e que fotografou compulsivamente sem que ninguém conhecesse a dimensão da sua obra.

E esta, tão surpreendente quanto colossal, composta por mais de 120 000 negativos, muitos filmes por revelar e filmes em Super 8 e 16 mm, foi descoberta por acaso no Inverno de 2007 por John Maloof, agora também ele fotógrafo e coleccionador, quando procurava num mercado de rua fotografias antigas de Chicago para um livro que pretendia editar. Comprou em leilão, por 380 dólares, uma caixa cheia de negativos que não serviram os seus propósitos mas que o deixaram muito curioso e também com muitas perguntas sem resposta. Quem seria Vivian Maier (e o Google a não ajudar), seria jornalista, fotógrafa profissional? Maloof, que não sabia o que fazer com tamanha descoberta, contactou algumas instituições (como o MoMA, que não teve interesse em receber o espólio) e acabou por comprar mais negativos a outros compradores do leilão original. 

John Maloof, que se dividia na altura entre a culpa e o achar que Vivian Maier teria feito as fotografias para que se vissem, acabou por partilhar em 2009 num blogue duas centenas de imagens, o que não teve grande impacto, e mais tarde uma ligação para estas no Flickr, aí já com direito a muitos "Uau!". Maloof também voltou ao Google e encontrou pistas num obituário publicado pouco antes no Chicago Tribune. Um telefonema e percebeu que Vivian Maier tinha trabalhado como ama de John, Lane e Mathew, que assinavam a nota no jornal, durante 17 anos. Através deles teve acesso a mais negativos, a caixas de rolos de película por revelar, cerca de 2 000 a preto e branco e cerca de 700 a cores, a caixas com os seus chapéus, roupas, muitas blusas, sapatos, bilhetes de autocarro e de comboio, folhetos e notas,  cassetes com gravações de entrevistas que fazia na rua ou quando ia ao supermercado, recibos das pessoas para quem tinha trabalhado. 

A montagem das peças de um quebra-cabeças que parecia ter sido deixado para resolver após a sua morte, aos 83 anos e na miséria, deu origem ao documentário Finding Vivien Maier, que John Maloof realizou em 2013 juntamente com Charlie Siskel. Entretanto, em 2011, Maloof foi responsável pela organização da primeira exposição de fotografias de Vivian Maier, num muito concorrido Centro Cultural de Chicago. Seguiram-se mostras em Nova Iorque, Los Angeles, Londres, Alemanha, Dinamarca e França, aí em Saint-Julien-en-Champsaur, nos Alpes, onde Maier vivera com a mãe durante a juventude.

Vivian Maier (Nova Iorque, 1926 – Chicago, 2009), filha de mãe francesa e pai de origem austro-húngara, que desapareceu cedo da sua vida, regressou a Nova Iorque com a mãe em 1938 e aí começou, em 1951, a trabalhar como ama e cuidadora. Ainda em 1951, com o dinheiro da herança de uma tia-avó francesa, viajou para Cuba, Canadá e Califórnia. Em 1956 mudou-se definitivamente para Chicago, tendo aí trabalhado 17 anos para a família Gensburg (que lhe arrendou um apartamento para viver quando Maier ficou sem rendimentos e responsáveis pelo obituário de todas as pistas). Em 1959 viajou durante oito meses pelo mundo (Filipinas, Índia, Tailândia, Egipto, Iémen, América do Sul) e para França pela última vez, tendo feito milhares de fotografias.

Considerada pelos que a conheceram como reservada, excêntrica, enigmática, criativa, incrivelmente solitária, detentora de um "lado escuro" (alguns não sabiam que fazia fotos, outros lembram-se de a ver fotografar o interior de um caixote do lixo), Maier não gostava de falar de si. Dela dizem que odiava homens, que falava com um sotaque francês forçado, que escondia informações pessoais das famílias para quem trabalhava, que levava as crianças de quem tomava conta a passear pelas piores zonas da cidade, que vivia rodeada de pilhas de jornais que se recusava a deitar fora, que se apresentava muitas vezes com nomes falsos, como V. Smith, ou que escrevia Mayer ou Meyer em vez de Maier, que ocultava a sua figura de mais de um metro e oitenta com roupa pesada, botas e chapéus. Vestia-se como as mulheres das fábricas da União Soviética nos anos 50 ou com coisas que estiveram na moda em 1925, diz alguém no Finding Vivien Maier. Mas quem foi, afinal, Vivian Maier? E porque fotografou a vida inteira sem nunca mostrar o seu trabalho? O mais provável é o puzzle nunca ficar completo.


A exposição Vivian Maier: Street Photoprapher, com curadoria de Anne Morin e composta de séries de retratos, auto-retratos, sobre a infância ou fotografia de rua, pode ser vista no Centro Cultural de Cascais (Av. Rei Humberto II de Itália) de terça a sexta das 10h às 19h, sábados e domingos das 9h às 13h (encerra a 1 de Maio). Bilhetes a 5 euros, com descontos vários.


O DVD do documentário Finding Vivien Maier, nomeado para um Óscar em 2014, está à venda no site da Fnac por 4,99 euros (também pode ser visto aqui). Na Amazon, está disponível em vários formatos o livro Vivian Maier: A Photographer's Life and Afterlife, de Pamela Bannos, publicado em 2017. Mais sobre a biografia de Maier em artigo recente do jornal Público e em vivianmaier.com. No Youtube, uma compilação de 16 minutos com muitas das suas fotos, a preto e branco e a cores, tiradas nos EUA ou nas viagens que fez, e auto-retratos disponível aqui.
















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