Moçambique: de regresso às aulas



Em Agosto de 2016, uns dias depois da pausa escolar de Inverno, interrompi, integrada num grupo de cinco, uma aula de Geografia na Escola Secundária Eduardo Mondlane, em Maputo. Decorria essa aula, dedicada aos lagos, numa das salas da antiga escola primária Rainha Dona Leonor, onde uma amiga chegada de Portugal tinha feito a segunda classe há uns 45 anos (toda a história aqui). Em Marracuene, arredores da capital, no dia 8 de Março de 2018, com a temperatura perto dos 40, perguntei ao professor de Matemática, que tinha acabado de dar uma aula numa sala-árvore, se podia fotografar. No quatro preto, junto ao tronco de uma mangueira, lia-se que a lição 33 tinha sido dedicada à medição de ângulos, que podem ser agudos, retos, obtusos ou rasos (post aqui). Na altura, calculava-se que cerca de 7 mil turmas e cerca de 400 mil alunos tivessem aulas debaixo de mangueiras, cajueiros, acácias ou mafurreiras.

Na Escola Primária do 1º e 2º Graus de Dovela, localizada no meio do mato, a uns 420 quilómetros de Maputo e frequentada por quase 500 alunos, um professor de 24 anos e que dá aulas desde os 19 ensinava,  num dia de Abril de 2019, os artigos definidos e indefinidos, com um exemplo escrito no quatro: "O menino foi à escola. Os meninos foram à escola. A rapariga casou. As raparigas casaram" (aqui). Uns dias antes, no centro de apoio ao estudo do Projecto Esperança - Padrinhos de Portugal de Possulane, povoação perto de Marracuene, treinava-se a leitura com um texto mais inofensivo (afinal, Moçambique, encontra-se entre os países com maior prevalência de casamentos prematuros no mundo): "O tio Faustino deu uma bola de meia ao Luís. Era uma bola feita de panos, fofa e leve. O jogo anima. É golo do Luís!".

Nas escolas de Moçambique, país que tem 46,6 por cento da população de 28 milhões de habitantes com idades entre os 0 e os 14 anos e cerca de 1,2 milhões fora da escola, mais raparigas que rapazes, inicia-se hoje um novo ano lectivo, depois de um 2020 com interrupções por causa da pandemia. E são grandes os desafios para o futuro, apesar da situação na Educação ter vindo a melhorar, havendo agora quatro vezes mais crianças a frequentar o ensino primário do que há dez anos: diminuir a taxa de analfabetismo (que era de 39 por cento em 2017), aumentar o número de alunos que concluem o ensino primário até ao 7.º ano (que é agora de 59 por cento), aumentar a construção de salas de aula de cimento e tijolo (e estas são ainda menos do que as escolas de construção precária, algumas rebocadas com barro ou feitas de pau a pique), diminuir o absentismo dos professores e aumentar a sua formação, investir na qualidade e melhoria da aprendizagem. A avaliação nacional de leitura feita em 2016 concluía que apenas 4,9 dos alunos da 3.ª classe sabia ler ao nível do expectável (estes e outro números estão no Plano Estratégico da Educação 2020 - 2029, elaborado pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano).


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