Serra da Lousã (terceiro dia): da quase cosmopolita Candal à Comareira de uma só habitante

"Logo acima é a aldeia do Candal, na típica pobreza, escura, dos pequenos povoados da serra. (...) Os moradores são pastores, carvoeiros, plantadores dos Serviços Florestais, cantoneiros da estrada, e principalmente agricultores das estreitas leiras amanhadas sobre socalcos, à força de teimosia, em que espetam meia dúzia de couves ou semeiam dois punhados de centeio, e que muitas vezes desaparecem numa noite de enxurrada."

Silva Teles, Guia de Portugal  Beira Litoral, Beira Baixa, Beira Alta (1944)


Ao terceiro dia desta viagem pela Serra da Lousã, despedimo-nos da Casa do Forno na Cerdeira e rumámos a pé até ao Candal, quase três quilómetros percorridos pela Rota da Levada. Entrámos na aldeia pela parte de cima, junto ao miradouro, e por ali ficámos um pedaço a ver o conjunto formado pelas casas feitas em xisto, aninhadas na encosta, poucas delas rebocadas, talvez nem uma meia dúzia, e lá em baixo a estrada que liga Lousã a Castanheira de Pêra, a EN236. E terá sido por causa desta que o Candal nunca chegou a ser uma aldeia fantasma, como outras da Lousã: em 1940 era a mais habitada, contando com 201 candalenses, e em 1991, depois de muitos terem emigrado sobretudo para o Brasil e para os EUA, ainda tinha 15.

Candal, onde a electricidade só chegou na década de 70, tem agora cinco moradores permanentes, todos novos aldeões, e "enchentes" em alguns fins de semana, conta Vanessa, de Cascais e que há dois anos escolheu a aldeia para morar e trabalhar, depois de a ter conhecido por ser colega dos netos de Louzã Henriques, médico psiquiatra que tinha casa na aldeia e que dá o nome ao Museu Etnográfico da Lousã. Vanessa toma conta de algumas casas de Alojamento Local que pertencem a Laurinda, ali nascida. Noutros tempos professora de Filosofia, a antiga moradora está agora em Lisboa, mas nem a idade a tem impedido de fazer lençóis e tricotar mantas com muitas cores para decorar as casas que em tempos foi recuperando. A das Tias, em homenagem às tias que a mimavam, é uma delas.

A aldeia, onde pode o visitante cruzar-se ainda com Mário e Samuel, pai e filho, e uma senhora e um filho que também chegaram de fora, tem uma antiga escola primária construída nos anos 20 com o dinheiro dos emigrantes (tal como a do Talasnal), um chafariz junto à estrada (onde se lê "O chafariz do Candal/ Tem duas pedras de assento/ Uma é para namorar/ Outra para passar o tempo), uma alminha mandada construir por uma família como pagamento de uma promessa (e a única construção religiosa existente), cinco antigos moinhos hidráulicos ao longo da Ribeira de Candal (que serviam para moer os cereais), um lagar de azeite de 1919 entretanto recuperado, um restaurante, o Sabores da Aldeia, e uma loja que vende artesanato e outros produtos locais e que é também uma casa de chá, a Loja Aldeias do Xisto. E tem uma cascata nas proximidades, com ponto de partida do lado de lá da estrada, pelo que vale a pena prolongar a caminhada, mais ou menos um quilómetro para ir e mais um para voltar. E depois, táxi até à Cerdeira, onde ficou o carro, pois esperava por nós mais um almoço no restaurante O Burgo.




































Depois de um cozido capaz de fazer feliz todos os não vegetarianos, servido em broa e  na mesa do costume (isto é, na do dia anterior), e munidos de uma galinha com tortulhos para o jantar, seguimos para a Comareira, a mais pequena das aldeias da rede das Aldeias do Xisto e uma das quatro do concelho de Góis. A Comareira tem nem meia dúzia de casas, alguns currais para os animais e apenas uma habitante, Maria do Céu, 78 anos, guardadora de um rebanho de ovelhas e de cabras e que não morre de amores pelos veados que volta e meia a visitam ou se fazem ouvir. Conta-nos que já houve ali por perto uma fábrica de papel que encerrou (e mais gente a sair das aldeias), que tem um filho a morar nas proximidades, que o cão mais novo se chama Benfica, que o mais velhote, o Ligeiro, que ganha nova vida com o cheiro do nosso take away, era de um primo que já partiu ("Os donos morrem e os animais ficam") e que a casa onde vamos dormir, a Casa da Comareira, já foi em tempos lar de umas 15 pessoas.
A Comareira é um bom ponto de partida para explorar as aldeias vizinhas de Aigra Nova e Aigra Velha (a quarta do grupo, Pena, junto aos Penedos de Góis, ficará para uma próxima viagem). Em Aigra Nova, onde se pode dormir na Casa do Gato, na Rua dos Bois, há o Ecomuseu das Tradições do Xisto para visitar (e para aprender sobre as festividades, como o entrudo, ou as actividades económicas da região) e uma loja que é a sede da associação Lousitânea – Liga de Amigos da Serra da Lousã e onde se pode comprar carqueja ou perpétua roxa para fazer chá. A aldeia tem uma habitante em permanência.
Em Aigra Velha, a aldeia de xisto com maior altitude (770 metros), conta-se que terá passado uma estrada romana ou medieval que fazia parte da rota comercial que ligaria Lisboa ao Norte. É uma aldeia de uma só rua, onde as casas têm ligação entre si, para protecção contra as intempéries ou contra os lobos, e também de uma só habitante. E onde se constrói por estes dias, logo à entrada, um alojamento turístico com quatro casinhas em xisto. Dali parte uma estrada em terra batida para Santo António das Neves, uma meia dúzia de quilómetros adiante, uns 15 minutos de carro. Mas isso ficaria para o dia seguinte.

































Na aldeia do Candal são várias as opções de alojamento: a Casa da Eira (junto à antiga eira da aldeia) e a Casa da Parreira (que era uma antiga taberna, que deixou de funcionar nos anos 70), geridas pela Montanhas do Xisto (mais informações: 918170027), ou a Casa das Bugalhas, que tem capacidade até seis pessoas. Há ainda, todas dos mesmos proprietários, a Casa das Tias, com dois quartos, a Casa de Cima, também com dois quartos, e a Casa de Baixo, com um. Preços a partir de 65 euros para duas pessoas. Mais informações e reservas: 915212915.

A Casa da Comareira, na aldeia da Comareira, a 11 quilómetros da vila de Góis, tem dois pisos independentes: o de cima com o estúdio Ninho da Coruja, que tem também cozinha e sala, o de baixo com os quartos de casal Toca da Raposa e Prado do Corço. Todos com umas casinhas de madeira à porta onde de manhã é deixado o pão fresco para o pequeno almoço. Preços desde 65 euros para dois. Mais informações e reservas com a associação Lousitânia, que gere o espaço: 235778644.

O restaurante Sabores da Aldeia, no Candal, junto à estrada, entre o chafariz e o lagar, tem no menu pratos feitos em forno a lenha, como cabrito ou entrecosto com castanhas. Funciona no Verão todos os dias excepto terças e quartas, ao almoço e ao jantar, de preferência por marcação. Durante o resto do ano está aberto aos fins de semana e em feriados ou pontes. Mais informações e reservas na página do Facebook ou por telefone: 239991393. Junto ao restaurante fica a Loja Aldeias do Xisto, que funciona das 10h30 às 18h30 no Inverno e até às 19h no Verão. Encerra também às terças e quartas.

A PR3 LSA – Caminho do Xisto da Lousã – Rota da Levada, de sete quilómetros, linear, une a aldeia da Cerdeira ao Castelo da Lousã, passando pela Ribeira de São João e a aldeia do Candal. Mais informações no site das Aldeias do Xisto.

O taxista Pedro Lindão, da Lousã, é um dos que salva caminhantes cansados ou que não queiram voltar para trás num percurso linear. É só ligar, assim haja rede, e marcar o ponto de encontro. Contacto: 917866975.

Mais sobre esta viagem à Lousã aquiaqui (primeiro dia) e aqui (segundo dia).


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