Serra da Lousã (segundo dia): visita a um "castelinho" e um brinde no Talasnal com Licor Beirão
Nesta volta pela Serra ficou a manhã de terça feira reservada para uma ida à vila da Lousã, onde seria dia de feira, não fosse a pandemia. Mas duas senhoras, talvez a rondar os 70, que apreciavam uma montra ("Queres comprar um vestido assim?", pergunta uma delas), informam-me que a feira, que acontecia duas vezes por semana, é agora só aos sábados, com os legumes e as frutas a serem vendidos no mercado fechado e a zona de tendas a funcionar perto do cemitério. Também me dizem que a feira da Lousã já não é o que era: "Se os meus avós voltassem cá até gritavam", garante-me uma delas. "Antes vinham de Vilarinho e de outras aldeias da Serra vender o que tinham, sem pagar assento, agora não compensa".
Feira encerrada, seguimos para uma visita guiada e didáctica ao Museu Etnográfico Louzã Henriques, que reúne uma colecção de artefactos locais ou provenientes de outras partes do território nacional, como alfaias agrícolas, carros de bois ou instrumentos relativos à produção do linho, do azeite, do mel e da castanha. Todo o acervo, de cerca de 4 000 peças, foi reunido a partir dos anos 60 pelo médico psiquiatra Louzã Henriques (1933 – 2019), que foi também opositor ao Estado Novo e preso político. Louzã Henriques nasceu no Coentral, aldeia do concelho de Castanheira de Pera, estudou na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e passou parte da vida no Candal, aldeia da Lousã, onde em 1991 recebeu a visita de Álvaro Cunhal. O edifício no qual funciona o espaço museológico foi a residência dos seus pais.
Muito próximo da vila da Lousã, a dois ou três quilómetros, há um lugar imperdível, "uma cenografia natural que não precisa de retoques." Trata-se do Castelo de Arouce, também conhecido por Castelo da Lousã e a que José Saramago chamou "castelinho" na sua Viagem a Portugal: "Quem diz castelo, pensa altura, domínio de quem está de cima, mas aqui tem de pensar outras coisas. Pensará, sem dúvida, que o Castelo da Lousã é, paisagisticamente, das mais belas coisas que em Portugal se encontram."
E o belo Castelo, feito em xisto e com a torre de menagem a dominar a construção, que remonta ao século XI, não é a única atração deste vale que a Câmara da Lousã considera "quase encantado". Por ali, encontra também o visitante uma praia fluvial com Bandeira Azul (ainda vazia no mês de Maio), um santuário dedicado a Nossa Senhora da Piedade, composto por quatro capelas, e o restaurante o Burgo, que é assim uma espécie de santuário gastronómico.
No Santuário de Nossa Senhora da Piedade fiquei à conversa com o guardião do sítio, o senhor Eugénio, de 61 e a trabalhar desde os 11 (começou em Lisboa, pois na Serra não abundavam as ofertas de trabalho). E fiquei a saber tudo sobre a organização das festividades religiosas que ali se realizam anualmente: no dia 18 de Abril último, foi a Senhora da Piedade levada pelos bombeiros, por causa da Cavid-19, para a Igreja Matriz da Lousã, onde haveria de ficar três semanas antes de voltar à capela que fica no ponto mais alto do santuário. Nos tempos anteriores à pandemia, era a imagem religiosa transportada, sempre 15 dias depois da Páscoa, por seis homens, mais ou menos todos da mesma altura, para se manter o equilíbrio, num percurso a pé até à Lousã, cerca de duas horas e meia, com paragens e salva de foguetes pelo caminho.
No restaurante O Burgo, onde almocei um polvo no forno (e no dia seguinte um cozido servido em broa ao almoço e uma galinha com tortulhos ao jantar, em take away) na companhia de António Costa, Tony Carreira ou Eunice Muñoz, todos fotografados e pendurados na parede, conversei um pouco com o dono, António, que abriu O Burgo em Abril de 1989. Descreve o restaurante, um projecto de família que tem a mulher de António como cozinheira, como "um cantinho no fim do mundo", mas onde não parece faltar clientela: "Eles vêm cá ter". Eu gostava de voltar, com muita fome, talvez para provar a Rapsódia, um conjunto de entradas regionais, seis pratos e seis sobremesas, que por ali se chamam lambarices.
Jorge Caetano, de 48 anos, comercial numa empresa da Figueira da Foz, descobriu o Talasnal, aldeia que chegou a ter 135 habitantes em 1940 (e 2 no censos de 1981), há 24 anos, por acaso, por o filho ser escuteiro. Há dois decidiu viver ali a tempo inteiro, sendo hoje o sucessor de Ti Lena, a última das moradoras mais antigas e que é homenageada dando o nome ao principal restaurante da aldeia.
O dono de O Curral, que serve, para além do bolo de chocolate, petiscos, chanfana e cabrito (este por encomenda), é o único habitante mas diz nunca estar sozinho. O Talasnal tem cerca de 60 casas recuperadas, 20 e tal de Alojamento Local (a da Urze, a da Princesa Peralta, a da Ti Piedade, a do Ti Dinis) e ainda um café à entrada, a Taberna, que apesar de mais ou menos fechado quando passámos por lá nos serviu um Licor Beirão.
Mas antes do brinde ao desconfinamento feito com o licor produzido na Quinta do Meiral, em plena Serra da Lousã, e que ganhou fama com estratégias de marketing originais (contaram-me na aldeia da Cerdeira que José Carranca Redondo, que em 1940 comprou a empresa que já o produzia desde finais do século XIX, se deslocava ele próprio aos cafés pedindo um Licor Beirão, de modo a incentivar a procura), percorremos a aldeia, a ruela principal, algumas quelhas e becos. O Talasnal tem uma alminha na rua logo à esquerda da fonte, um antigo lagar recuperado e outro em ruínas, uma eira de cima e uma eira de baixo. E já teve uma escola, construída a partir de 1932 por iniciativa e com o dinheiro dos emigrantes, onde primeiro faltaram os professores e depois faltaram os alunos. Tinha dois quando fechou em 1975.
O Casal Novo, um aglomerado pequeno de casas, que terá chegado a ter 79 habitantes em 1940 (e 0 no censos de 1981), tem um carro estacionado numa das entradas, uma casa à venda na Remax Montanha, pelo menos uma casinha de Alojamento Local, a Casinha do Conde, e algumas habitações secundárias. E tem uma boa vista sobre a Lousã, a partir da eira da aldeia.
Muito perto do Casal fica Chiqueiro, que guardámos para o regresso do Talasnal, aí já com carro. Lá encontro a Dona Esperança, mais ocupada em lavar a roupa que esfregava no tanque do que interessada em me dar conversa. Mas lá vai dando: "Dizem que sim, que moro aqui". Mora ela e mais três habitantes, às vezes mais cinco. E pelo menos dois gatos, que são os únicos que se deixam fotografar. Chiqueiro, que chegou a ter padre residente, tem uma capela dedicada à Senhora da Guia, que era partilhada pelos habitantes de Casal Novo e Talasnal, duas casas para quem quiser aí ficar alojado, a Casa do Tanque e a Casa Javali, e um pequeno hotel em construção logo à entrada, mas com as obras paradas há uns anos, talvez à espera de financiamento.
Dia quase a terminar, rumámos ainda ao Alto do Trevim, o ponto mais alto da Serra da Lousã, a 1200 metros, onde está instalado o baloiço gigante construído pelo projecto Isto é Lousã (responsável também pelas letras muito fotografadas perto da aldeia de Chiqueiro e pela moldura na estrada que vai da vila da Lousã ao Talasnal). É o meu primeiro baloiço da leva de baloiços (alguns chamam-lhe praga) que têm surgido em Portugal e não resisto a baloiçar um pouco. Apesar dos 12 graus e de algum vento, que compenso logo a seguir acendendo a salamandra na nossa Casa do Forno na Cerdeira. O jantar foi em modo delivery, assegurado pelo Café da Videira.
Mais informações sobre as aldeias de xisto da Serra da Lousã e outras no site da Rede das Aldeias do Xisto, um projecto da ADXTUR – Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto, em parceria com 21 municípios e operadores privados locais.
O Museu Etnográfico Louzã Henriques está aberto de terça a sexta das 9h30 às 12h30 e das 14h às 17h30 e aos fins de semana das 10h às 13h e das 14h30 às 18h30. A visita é feita na companhia de um guia. Mais informações: 239990040.
O percurso entre a vila da Lousã (partida de Cabo de Soito) e o complexo turístico da Senhora da Piedade, que inclui o castelo, a praia fluvial e o santuário, pode ser feito a pé num passadiço panorâmico de madeira com cerca de 1,2 quilómetros.
O Castelo de Arouce está aberto ao público até Setembro ou Outubro, de terça a domingo, das 10h às 13h e das 14.30 às 17h30. No resto do ano pode estar encerrado ou só abrir aos fins de semana. Confirmar dias de abertura com o Turismo da Lousã: 239990370.
O restaurante O Burgo não encerra durante a semana na época baixa, o que é habitual na zona, pelo que é uma excelente opção para todos os dias (excepto domingo ao jantar e segundas). Tem na lista Comeres do Burgo, como chanfana à moda da Serra da Lousã (dose para dois a 21 euros, individual a 10,50) ou javali com castanhas (só disponível dose para dois por 19), Outros Comeres, como polvo à lagareiro (dose a 25, meia dose a 13,50) ou espeto de boi (31,50 a dose) e ainda Lambarices, que podem ser tigelada lousanense ou seios de noviça, que são claras cozidas no forno com doce de ovos. A Rapsódia custa 19,50 por pessoa (10 para as crianças) e para um mínimo de duas. Reservas: 239991162.
O bar O Curral, no Talasnal, com um terraço com vista sobre a Serra, abre habitualmente só aos fins de semana. Em Julho deverá estar aberto de quinta a domingo e em Agosto todos os dias. Reservas e mais informações: 917538080.
Mais sobre esta viagem à Lousã aqui, aqui (primeiro dia) e aqui (terceiro dia).
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