#3 Moçambicanos - Nuhy Abdurremane, Ilha de Moçambique

Nuhy Abdurremene, que se orgulha de ter sido um dos 20 retratados no projecto Futuros Presidentes de Moçambique, uma iniciativa da organização não governamental Helpo (ver aqui), nasceu há 19 anos no então muito destruído Hospital da Ilha de Moçambique. Viveu com os pais até aos 3 anos e depois disso andou dividido entre Nacala e a Ilha, entre o pai e a mãe. Aos 7, passou a viver na Ilha a tempo inteiro com o avô materno, que decidiu ser altura do rapaz assentar. Foi então, quando ainda não tinha entrado a sério para a escola, o que só aconteceu aos 8 (antes só a tinha frequentado de forma intermitente), que começou a vender gulamos, uns bolinhos que custavam 1 metical cada e que eram feitos por uma tia com quem também partilhava a casa. E só deixou de os vender em 2019, quando já custavam 5 meticais e ele já tinha 15 anos. Vendia "todo o santo dia" entre 100 a 120 bolinhos, que transportava num alguidar de plástico, aos ilhéus ou aos turistas. Acha que graças a eles, que continuam a ser vendidos por um primo de 14 anos e por uma irmã de 13, conheceu “muita gente incrível".

Com o pai, que tinha uma loja de materiais escolares e diversos no Mercado Municipal da Cidade Alta, em Nacala, onde vivia, Nuhy "não teve a melhor relação". Que se lembre, nunca participou de nenhum dos aniversários do pai. Mesmo assim, passou ao seu lado, em Setembro de 2020, 32 ou 33 dias no hospital onde este acabaria por falecer, depois de a varanda da sua casa em obras lhe ter caído em cima. E foi nessa altura, no hospital, que Nuhy soube da existência e conheceu as três mulheres do pai, que se organizaram numa escala para as visitas e que acabaram por estar todas presentes no funeral. E que conheceu também mais cinco irmãos, três mais velhos e dois gémeos com poucos anos. Até então, achava que eram quatro, consigo incluído, os filhos que o pai tinha. A morte do pai não foi a única que lhe trouxe tristeza. No final do mesmo ano, havia ainda de perder um amigo vítima de malária e antes disso um outro que se baleou enquanto brincava com a arma de um dos guardas da Autoridade Tributária, junto ao edifício da Alfândega. Nuhy estava a um metro do amigo.

Com a mãe, de quem tem três irmãs mais novas, Nuhy nunca discutiu, nunca teve sequer "uma briguinha". Com ela conversa sobre tudo: as relações amorosas, que se contabilizam em cinco ou seis namoradas e dois desgostos ou o que acontece no dia a dia. A mãe, que tem um negócio de compra e venda de peixe (compra na Ilha e vende em Nampula, duas ou três vezes por semana), ficou triste, mesmo deprimida, quando o ciclone Gombe, que passou por ali a 9 de Março de 2022, lhes levou a casa. Nuhy considera que vê-la sorrir de novo, depois de uma bem sucedida campanha de crowdfunding organizada por uma das duas madrinhas que Nuhy teve na Helpo lhes ter permitido construir uma casa nova (à qual ainda faltam janelas e reboco), foi um dos momentos mais felizes da sua vida.

Nuhy sonhou durante muito tempo em ser arquitecto. Mas o que ele queria mesmo era entrar na Universidade, não deixar de estudar. Não conseguiu entrar na pública, apesar de ter acabado a 12.ª classe como o melhor aluno da turma, com 14 valores. Está agora a dar início ao curso de Economia e Gestão na Universidade Católica de Nampula, privada, tendo passado a viver em casa de um tio, irmão do seu pai. E começou também a trabalhar em part time numa empresa de óptica de um amigo, para ajudar nas despesas. Antes, fez voluntariado durante dois anos na Heartseed, que ajuda miúdos da Ilha a prosseguir os estudos, e trabalhou nas últimas férias escolares no restaurante da Pensão das Amoreiras, o antigo Escondidinho. Para o futuro, Nuhy vê-se a sair da Ilha, a conhecer outros sítios. Apesar de achar que viver ali "é uma maravilha", por tudo ser perto, por conhecer toda a gente ou por ter a praia logo ali.




Retrato feito a partir de uma conversa realizada na Ilha de Moçambique a 6 de Fevereiro de 2023. É o terceiro de uma série sobre moçambicanos a ser publicada aqui no blogue.

Comentários

  1. Têm sido uma pessoa responsável e amigo de trabalhar e ajudar, que consiga na vida tudo o que deseja.

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  2. História emocionante!

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  3. Sangue do meu sangue, é tanto orgulho para a família.

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  4. Conhecemos o Nuhy quando ele era apenas uma criança! Sinto muito orgulho e felicidade em constatar que embora tenha crescido muito desde a última vez que o vimos, o sorriso se mantém e a esperança no futuro não esmoreceu, apesar das dificuldades!!!! Beijinhos Nuhy, desejamos-te a ti e aos “‘meninos da Ilha” saúde e felicidade!!!

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