O Niassa é lá!
Ainda não eram sete da manhã e já eu gozava a beira lago, onde já havia crianças a brincar (foi com as suas vozes que acordei) e mulheres a lavar roupa. E onde um rapaz, com uma escova de dentes na mão, me disse um bom dia em português, língua que nem todos falam por ali. E um velhote, transportando uma chaleira azul mais ou menos da sua idade e um sabonete verde, havia de tomar um banho demorado, depois de ter escolhido um canto mais recatado junto às rochas.
Até às 11, altura em que a previsão de temporal se concretizou e o sol desapareceu para dar lugar à chuva e ao vento, apareceram ainda mais mulheres com mais roupa e loiça para lavar, incluindo colheres de pau gigantes ("Para mexer a xima", dizem-me), raparigas que transportam no regresso a casa alguidares ou tachos cheios de areia ("Para a casa de banho", explicam-me) e mais gente para tomar banho. Dois rapazes lavaram a roupa que traziam vestida, colocaram-na a secar e a seguir dedicaram-se ao corpo, sendo que no final espalharam creme um pouco por todo o lado e usaram um espelho pequenino para se pentearem.
Toda esta gente e a da véspera, com quem me cruzei por ali, pertence à comunidade vizinha do Mbuna Bay Lodge, alojamento que nos acolhe por uma noite. Uma estadia curta mas suficiente para que este pedacinho do imenso Niassa (localizado entre Moçambique, o Malawi e a Tanzânia, o Lago Niassa, também conhecido como Lago Malawi, é o terceiro maior lago africano e o nono do mundo) tenha entrado na lista dos lugares mais especiais onde já estive.
O tranquilo Mbuna Bay, um dos dois sítios onde se pode dormir no pouco explorado lado moçambicano do lago, fica localizado numa praia de areia branca, com ondas e marés que mais fazem lembrar o oceano e ainda pouco tocada pelo turismo. E mesmo ao lado da aldeia de Nkholongue, que desde o início faz parte deste projecto comunitário, uma obra da empresa Maya & Filhos. Em Junho de 2007, 40 trabalhadores locais ajudaram na construção das estruturas hoje disponíveis para quem ali chega – mas não são muitos os que se atrevem a viajar até ao longínquo Niassa.
E desde aí que os responsáveis pelo lodge, originários da Suíça, têm tomada iniciativas várias para o desenvolvimento de Nkholongue, como a construção de uma escola primária para mais de 100 crianças, de um posto de saúde que serve cinco aldeias, de um poço ou de uma ponte que permitiu unir a parte norte e sul da povoação. Ou a instalação de uma casa comunitária com biblioteca, a realização de cursos de inglês e de acções educativas sobre a malária e o HIV e a instalação de um posto de carregamento de telemóveis. É por este apoio à população local – e também pela paisagem, pela água quente do lago, pela simpatia das pessoas, pela comida (só vegetariana, sendo que parte dos ingredientes vêm da horta ali ao lado), pela tranquilidade – que vale bem a pena meter o 4x4 a caminho.
Lichinga, antiga Vila Cabral e capital da província do Niassa, a maior e mais remota de Moçambique (e a que tem menos população), foi o ponto de partida para esta viagem ao lago. Até à povoação de Metangula, já à beira de água e que nos tempos coloniais se chamou Augusto Cardoso, são 112 quilómetros numa estrada – a Nacional 249 – em bom estado. E através de uma paisagem feita de verde (diz-me o meu companheiro de viagem, que foi ao lago pela terceira vez, que nunca a viu assim tão verde) e de casas construídas em terra cor de laranja e telhados de palha. Um contraste de cores para não esquecer.
Depois de Metangula, conte-se com uns 15 quilómetros em estrada de terra batida, até chegar ao destino. E ao longo dos quais nos cruzamos com um bando de macacos e também com alguns miúdos a brincar – o que veste um casaco de veludo vermelho é só sorrisos e estilo.
Pelo caminho, paragem na povoação de Maniamba, primeiro para fotografar uma capela com cabras a descansar junto à porta – as cabras abundam por todo o lado. E depois para fotografar os habitantes que se vão aproximando e pondo em pose para a máquina. Acho que ainda hoje podia estar por ali a fazer retratos.
O Mbuna Bay Lodge, onde éramos os únicos hóspedes num dos fins-de-semana do último Janeiro, tem várias opções de alojamento e tarifas (em dólares). A Casa do Imbondeiro (com um duche e uma banheira em pedra no exterior) custa 210 dólares por pessoa e noite com as refeições (vegetarianas) incluídas, a Casa Branca 170, cada um dos quatro chalets na praia 150 e uns mais recuados – também quatro, a uns 80 metros do lago – 120. Em 2015, ano complicado para o turismo em Moçambique, o lodge esteve fechado de Abril a Setembro. Contactos: (00258) 825367781 ou info@mbunabay.ch.
E são várias as actividades propostas pelo Mbuna Bay: visitas à aldeia vizinha com ou sem guia (inclui uma visita ao curandeiro e ao chefe da aldeia), caminhadas até Metangula ao longo da margem e atravessando várias povoações (cerca de 4 horas), explorar o lago numa canoa artesanal, fazer snorkeling mesmo junto à praia (equipamento disponível) ou realizar um passeio de barco até ao recife N'nosi, o melhor sítio para ver peixes (que não foi possível fazer por causa das previsões de mau tempo).
O remoto Nkwichi Lodge, de cinco estrelas (e grande luxo, a avaliar pelas fotos do site), é a outra opção de alojamento na costa moçambicana do Niassa. Mais caro do que o anterior, tem bungalows a 375 (standard) e 410 dólares por pessoa e noite (premium). Não é acessível por estrada, pelo que só de barco se consegue lá chegar. O lodge assegura o transfer a partir da ilha Likoma, que pertence ao Malawi e para a qual se pode viajar num pequeno avião a partir de Lilongwe. Ou então a partir do posto fronteiriço de Cobué (para entrar no Malawi), acessível em 4x4 a partir de Lichinga (serão precisas umas quatro horas de viagem e os últimos 70 quilómetros são em picada).
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