Regresso à EN1: de Vilanculos a Maputo de uma assentada

Se na ida teve esta viagem on the road uma paragem na praia de Xai-Xai para almoçar (onde, no Café Pescador, podia ter escolhido uns fígados de galinha com piri-piri em vez de umas lulas fritas) e paragens mais demoradas em Inhambane e no Tofo (aqui), na Reserva de Pomene (aqui) e em Vilanculos (aqui), foram os 740 quilómetros de regresso a Maputo feitos de uma só vez - ou quase de uma só vez, se não contarmos com dois stops em controlos policiais (abundam por ali), com as compras à beira da estrada e com uma paragem já quase ao final da tarde para uma bifana no pão na Manhiça (onde o Laurentino, famoso pelas sandes de leitão, deu lugar ao Tamagosh Place).
Teve lugar a saída de Vilanculos às 8 da manhã - e já estavam 30 graus - e a chegada a Maputo nove horas e meia depois - sendo que nesse dia chegou o termómetro aos 38. E foram quase dez horas tranquilas, na qualidade de copiloto, a observar a paisagem. E ao longo da Nacional é esta composta por mulheres que transportam grandes alguidares a transbordar de pão, recipientes de água, tachos ou molhos de lenha à cabeça, por muitas crianças (em férias escolares) a brincar, por negócios com nomes sugestivos como O Mundo Ralha de Tudo ou A Vida é um Processo, por  poços comunitários sempre rodeados de gente, por vendedores de coelhos vivos ou de camarão seco, de sacas de carvão ou de almofarizes gigantes, por muitas placas que indicam a existência de EPC's, ou escolas primárias completas (quantas funcionarão ainda debaixo das árvores?), por algumas madrassas, por mulheres que lavam a roupa à beira da estrada e a batem no asfalto, por alguns take away hallal e por dois inesperados Kentucky Fried Chicken (em Maxixe e em Xai-Xai) e por muitas machambas cultivadas com milho. Cruzo-me também com um sinal de perigo que indica local de travessia de elefantes, uma placa que assinala o Trópico de Capricórnio e uma outra que aponta a direcção de Manjacaze.
E esta última remete-me para a história (triste) de Gabriel Mondlane (1944-1990), que viria a ficar conhecido como Gigante de Manjacaze. Nascido na província de Gaza, mudou-se este gigante - media 2,50 metros - para Portugal em 1969, onde passou a ser exibido em circos e feiras. E onde esteve presente, ao lado do anão Toninho de Arcozelo, no funeral de Salazar. Acabou por morrer em Maputo, para onde regressou depois da independência, depois de uma queda fatal. Tinha 45 anos.
Volto à observação da paisagem (mais mulheres envoltas nas suas capulanas, mais crianças, mais gente a pé, mais homens de bicicleta) e a mais uma paragem para a última compra - faltava ainda a castanha de caju. E às tantas diz-me o meu companheiro de viagem (nascido na freguesia lisboeta de São Cristóvão e São Lourenço, mas que herdou um pouco da minha aldeia beirã) que percorrer a Nacional 1 é um pouco como ir à terra. E tem alguma razão. Se em Setembro regresso normalmente a Lisboa com frascos de doce de cereja e abóbora oferecidos pelas tias e com  abrunhos e figos apanhados na quinta do primo Beto, regresso agora a Maputo com frascos de picante feitos pela Dona Rachilda (na localidade de Nhacoongo) e com mangas, ananases, cocos e maracujás comprados por umas centenas de meticais (um balde de mangas ou 20 cocos custam o equivalente a quatro euros).
Um dos vendedores, o da castanha (nome abreviado para a castanha de caju), diz-me que está sempre por ali - algures a sul de Chizavane - e quando lhe pergunto se o posso fotografar diz-me que sim, que o fotografe para não o esquecer. Despeço-me com um  até à próxima. E agora que escrevo, desejo que haja uma próxima vez, assim a situação política não se complique ainda mais e a Estrada Nacional permaneça transitável em condições de segurança - nos últimos dias voltaram a ser notícia os ataques armados a carros civis em Sofala, província logo a norte da de Inhambane.











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