Zanzibar: à decoberta de Stone Town

Já tínhamos as datas e o destino (Zanzibar!) escolhidos quando percebemos que o festival anual de música Sauti za Busara coincidia com os últimos dias da estadia naquela ilha africana. Pelo que foi fácil decidir que noites reservaríamos para Stone Town, a cidade de pedra ou parte velha de Zanzibar City e Património Mundial da Humanidade pela UNESCO desde 2010.
E depois de uma espécie de escala, logo no início da viagem, antes de partir rumo às praias (ver reportagem aqui), regressámos para gozar esta cidade - tão bela e fotogénica quanto decadente e labiríntica - durante três dias muito quentes e três noites dedicadas à música de África (e como foi bom o concerto do moçambicano Isau Meneses e da banda Likhuba ou o da banda Bob Maghrib, que reinterpreta as músicas de Bob Marley com instrumentos típicos de Marrocos).
Fizemos coincidir a chegada, numa quinta-feira, com a Carnival Parade, que dá início aos quatros dias do festival. Mas antes, depois de entregarmos o carro alugado no limite da zona da cidade onde os carros podem circular (perto do Darajani Market, onde o meu olfato havia de sucumbir, no dia seguinte, quando passei pela secção dedicada à carne) e de nos termos instalado no tranquilo Asmini Palace Hotel (que só pela vista do terraço já valeria a pena), ainda houve tempo para um primeiro passeio pelas ruas estreitas que nos haviam de conduzir até ao velho forte, para nos deliciarmos com as primeiras portas em madeira (são um dos tesouros de Stone Town e algumas são tão trabalhadas que mais parecem obras de arte) e para uma visita que esteve quase para não acontecer.
























A The House of Wonders, que tem à entrada dois canhões portugueses do século XVI e que é o o maior edifício de Stone Town (serviu de residência para o sultão Bargash) estava fechada ao público. Mas eis que à entrada aconteceu uma coisa muito típica de África: estava fechada mas se quiséssemos entrar podíamos. Só tinhamos de comprar os bilhetes, que apesar de pagos nunca nos chegam a ser entregues. 
Construída em 1883, a Casa das Maravilhas, que se destaca na paisagem pelas enormes colunas brancas e pela torre do relógio, foi a primeira de Zanzibar a ter electricidade e água canalizada e a primeira da costa ocidental de África a ter um elevador eléctrico. Depois de ter servido de quartel general do partido político no poder durante a revolução de 1964, está hoje a gritar por obras de manutenção (já ruiu uma parte nas traseiras). Mas mesmo assim, vale a pena dar uma espreitadela ao poeirento interior, onde se encontra logo à entrada um enorme dhow e algumas fotografias sobre a sua construção e numa sala ao lado o muito enferrujado carro oficial do primeiro Presidente do Governo Revolucionário de Zanzibar, Abeid Amani Karume (1964-1972). Obrigatório pelo menos para o viajante português é dar uma vista de olhos à velha vitrina que apresenta um pouco do legado de Portugal: na língua suaíli (bandeira diz-se bendera, caixa é kasha, copo é kopo e mesa é meza), nas corridas de touros que ainda hoje se se fazem em Pemba (a outra ilha principal do arquipélago) ou nos jogos de cartas (carta diz-se karata, copas é kopa e trunfo é turufu).



















Visita à Casa das Maravilhas feita, foi o resto do primeiro dia - e uma boa parte dos seguintes - dedicado ao Sauti za Busara. Depois do colorido desfile de abertura, prosseguiu este com concertos de entrada livre nos jardins de Forodhani, ponto de encontro de locais e de passeios à beira mar (e onde a partir do final da tarde abundam as bancas cheias de espetadas de carne e marisco e de acompanhamentos vários), e à noite no Old Fort, edifício construído pelos árabes por volta de 1700 com pedras e materiais de uma igreja portuguesa que se erguia no local.





























Recuperados dos ritmos da primeira noite, foi a sexta-feira ocupada com mais algumas das coisas que vale a pena ver em Stone Town: o também a precisar de obras Palace Museum, que foi o palácio dos sultões até 1964 e com a revolução se tornou Palácio do Povo (e onde se conta a História de Zanzibar), o antigo dispensário que é agora o Centro Cultural Aga Khan (o edifício com a mais bela fachada da cidade e talvez o mais bem preservado), a catedral Saint-Joseph, construída por missionários franceses no século XIX (e fechada quando lá passámos), a igreja anglicana Church of Christ e o que resta do Mkunazini Slave Market (no interior, podem ser visitados dois espaços onde os escravos ficavam acorrentados para serem testadas as suas forças; no exterior, não perder a escultura da sueca Clara Sornas que representa cinco escravos numa fossa, acorrentados uns aos outros com correntes que são originais) e o Darajani Market, onde se vende de tudo.






























No Darajani Market, onde me deliciei a percorrer as  bancas de frutas e de legumes e as de especiarias (só não entrei na ala da carne, pelo cheiro intenso e por não achar a carne assim tão fotogénica), fiz um amigo entre os vendedores de peixe. Ainda mal recuperada da passagem de um grupo de turistas italianos (assim ao género de um furacão, com telemóveis em riste e alguns com panos a tapar o nariz), meti conversa com ele, que vendia pouco mais de uma meia dúzia de uns montinhos de mexilhões. Falámos dos filhos (ele sobre os seus oito, três rapazes e cinco raparigas, eu sobre o meu filho único) e no final, quando lhe perguntei se o podia fotografar sai-se com um "Yes, you can. We are friends." E na hora da despedida com um "Have you a gift for me?"












Um dos bons momentos dessa sexta feira foi o almoço no terraço do Emerson on Hurumzi, que para além de restaurante e casa de chá é também hotel (vale a pena dar uma vista de olhos na Suite Tour, no site). Sobre a comida não posso dizer muito (só provei, por causa do calor e por não ter muita fome, um delicioso sumo de maracujá e um refrescante gelado de pêra abacate, manga e tamarindo) mas a vista ficou mais que aprovada. Lá de cima, vê-se todo o casario de Stone Town, os seus telhados de chapa e alguns edifícios em obras, vêem-se as duas torres da catedral, a igreja anglicana, uma mesquita com o minarete azul e branco (são muitas as mesquitas na cidade velha, mas geralmente são tão simples que nem se dá por elas, ou só se dá por terem sapatos à porta), um templo indiano e o mar à volta. Um sítio imperdível.



















Imperdíveis são também os pores-do-sol em Stone Town. Vale a pena guardar os finais da tarde para uns passeios à beira mar (em frente ao Tembo Hotel há uma praia muito concorrida) ou para ficar pelo paredão a ver os mergulhos dos miúdos e jovens que se mandam, quase sempre vestidos e com grandes acrobacias, ao mar.



















Há algumas ilhas ao largo de Stone Town e ir até lá é uma tentação. Mesmo em frente fica a privada e só acessível a hóspedes Chapwani Island, também conhecida por Grave Island por ter um cemitério de 1879 (e tem também um hotel), e a Changuu Island (ou Prison Island, assim chamada por ter pertencido a um árabe rico que aí instalou uma prisão para os escravos desobedientes), que é a mais visitada por ter um parque de tartarugas gigantes. E nós vamos também.
Contratamos a viagem até lá no areal junto ao porto (também há barcos que partem da praia em frente ao Tembo Hotel) e conseguimos negociar 40 euros para dois, para um passeio de três horas. Tempo suficiente para ver e fotografar algumas das centenas de tartarugas que têm como origem uma oferta, em 1919, do Governo das Seychelles ao governador inglês (que em troca deu às Seychelles plantas endémicas de Zanzibar), almoçar uma pizza no Prison Restaurant e tomar dois ou três banhos de mar na praia da ilha onde desembarcam os visitantes. Não será tão exclusiva como a praia de Chapwani Island mas mesmo assim estava bastante tranquila nessa tarde de sábado.











































Guardei para as últimas horas da estadia em Stone Town algo que me faltava fazer: tentar fotografar com um melhor enquadramento os velhos canhões de bronze portugueses que por esses dias estavam cercados com as cordas que serviam para montar os toldos de uma feira de artesanato que decorreu durante os dias do festival de música. Mas para além das cordas encontrei um deles nessa manhã a servir de suporte para as malas de uma das bancas e o outro de assento para um homem que acaba por ficar na foto. Não sei se são utilizações dignas de uns canhões com tanta história, mas acabaram por dar algum colorido aos retratos.
Canhões fotografados, restava-se apanhar o barco para regressar ao continente e a Dar es-Salaam (a ida tinha sido feita num pequeno avião da Coastal Aviation) e dizer um merecido asante sana (que o mesmo é dizer um muito obrigado em suaíli) a Zanzibar. E talvez um até à próxima.










O festival de música Sauti za Busara, com bandas de música do continente africano (decorre geralmente ao longo de quatro dias em Fevereiro e este ano teve lugar de 9 a 12),  e o Zanzibar Internacional Film Festival, que em 2017 acontecerá de 8 a 16 de Julho (ver aqui), são os momentos altos em Stone Town no que à cultura diz respeito. E podem bem ser o pretexto para programar uma viagem.


Mizingani Seafront Hotel, mesmo em frente ao mar e a dois ou três minutos a pé do terminal dos ferries (é possível chegar lá de carro), e o Asmini Palace Hotel, localizado na parte da cidade só acessível a pé (ou então de moto ou bicicleta), são duas boas opções para dormir em Stone Town. No primeiro, entram pelo quarto os barulhos do mar, das sirenes dos barcos, dos corvos e das gaivotas, mas a beleza do sítio, com as ilhas em frente, compensa se se quiser acordar cedo (já agora, os quartos são enormes, o mobiliário é todo em madeira trabalhada e a banheira mais parece uma fonte árabe). No segundo, numa rua mais tranquila (na Kiponda Street, ou num recanto escondido da Kiponda Street que não é fácil de encontrar logo à primeira), há um terraço com restaurante e boas vistas, onde é servido o pequeno almoço e se pode almoçar e jantar também.

Chapwani Private Island Resort (esgotado durante a nossa passagem por Stone Town mas que parece assim uma espécie de paraíso) tem cinco casas com dez quartos mesmo sobre a praia e ainda uma Sunset Vila indicada para famílias ou grupos de amigos. E fica a 15 minutos de barco de Stone Town.

O Ocean Grill, num primeiro andar de um edifício ao fundo dos jardins de Forondhani, é um local simpático para jantar em Stone Town. Tem bons pratos de polvo, sumos naturais (não vende álcool mas é permitido comprar noutro sítio e levar) e música ao vivo com um grupo de taarab (alegria, na língua local), o estilo de música mais popular de Zanzibar.

Ao lado do Ocean Grill fica o The Monsoon, com uma bonita sala interior (onde se entra descalço) e uma esplanada. Na ementa, as principais especialidades da cozinha suaíli, perfumadas por especiarias várias.


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