Karibu Zanzibar!

"Estão a viajar muito. O passaporte está a despedir-se aos poucos", diz-nos, no aeroporto de Maputo, o ponto de partida desta viagem, a funcionária que nos carimba os passaportes, quando vê que o espaço disponível já não é muito. E acrescenta um "Vão a Zanzibar? Que bom!". E foi bom mesmo o périplo de nove dias pela mítica ilha, que para além de especiarias e de músicos famosos (foi lá que nasceu Freddie Mercury, na altura com o nome de Farrokh Bulsara) parece exportar sonhos para os viajantes de todo o mundo.
E os viajantes e turistas (sendo que este contingente é à primeira vista dominado actualmente por italianos e polacos) dificilmente ficarão desiludidos. É impossível não ficar encantado com um povo que nos cumprimenta como se estivéssemos numa pequena aldeia ("Jambo, jambo", palavra em suaíli para bom dia), com os sorrisos dos miúdos  (mesmo que algumas vezes lhes saia um "dollar" ou um "money" a acompanhar) ou com as praias de águas quentes, rodeadas de coqueiros e com areias tão brancas e finas que mais parecem saídas de uma embalagem de pó talco.
A viagem pela ilha começa geralmente na tão bela quanto decrépita Stone Town, Património Mundial da Humanidade e um dos sítios inscritos pela UNESCO na lista dos 100 locais históricos a proteger com prioridade, que é onde chegam os voos e os barcos provenientes de Dar es-Sallam, antiga capital da Tanzânia. E a nossa começou também, mas apenas como uma curta etapa antes de partir à descoberta das praias. A cidade de pedra havia de ficar para os últimos três dias, altura em que recebia o festival de música Sauti za Busara - pelo que não havia melhor maneira de terminar esta viagem a Zanzibar.
Depois de uma noite no Mizingani Seafront Hotel, mesmo ao lado da maior árvore de Zanzibar (plantada em 1911 pelo sultão Khalifa e que agora acolhe na sua sombra homens a descansar e uma banca de frutas e legumes) e com o Índico logo ali à frente (e com barcos com nomes como Ladies Free, Fortuna ou Thanks for Coming a colorir a paisagem), rumámos até Nungwi, a ponta mais a norte e a parte mais turística da ilha (e a 55 quilómetros de Stone Town). Com três paragens a assinalar pelo caminho.






A mais ou menos três quilómetros de Stone Town ficam as ruínas do Maruhubi Palace, mandado construir em 1882 pelo sultão Bargash para instalar a sua mulher oficial e quase uma centena de concubinas. Hoje, restam poucas paredes (construídas, como quase tudo na ilha, em pedra de coral) e alguns arcos e colunas (para além do antigo hammam e de cinco casas de banho mais ou menos intactas) mas mesmo assim vale a pena parar um pouco por ali. Sem deixar de dar também uma espreitadela à aldeia mesmo à beira mar, onde os habitantes se dedicam à secagem de peixe (minúsculo,  a maior parte). Este pode ser fotografado, já os pescadores nem por isso ("No photos, no photos"). Ou podem, se estiver o fotógrafo-viajante disposto a pagar 1 dólar.


















Siga a volta à ilha para Kizimbani, um pouco no interior e uma etapa muito turística mas obrigatória para quem quer pôr o olfato e também os conhecimentos de botânica à prova (e devo confessar que errei grande parte das perguntas). É aí que se fazem as spice tours, em quintas onde são cultivadas todas as especiarias (e frutas) produzidas em Zanzibar. Nós escolhemos a tranquila Badru Spice Farm e somos conduzidos por Ramadan ("Como o mês", diz-nos em inglês) entre árvores e plantas que produzem limas, jacas (muitas e gigantes), os mal cheirosos duriões (não estava na época deles), carambolas, maracujás, sementes para pintar os lábios de vermelho, pimenta verde e vermelha, cravinho (o "rei das especiarias" e a mais exportada), canela (a "rainha", explica-nos o guia, por dela se aproveitarem as folhas, o tronco e a raiz, entrando esta última na composição do Vicks Vaporub), baunilha (que demora quatro anos a produzir e é a segunda mais cara a seguir ao açafrão), gengibre ou curcuma (que serve, entre muitas outras coisas, para pôr o arroz vermelho e substituiu o caro açafrão).
No final, tem o turista-visitante ao dispor uma prova de frutas (sendo que a nossa incluiu pepino) e direito a levar consigo vários adereços que vão sendo feitos em folha de coqueiro por vários rapazes a quem é preciso dar gorjeta (e a gorjeta é uma verdadeira instituição em Zanzibar): um chapéu e uma gravata para o "boss", uma pulseira, uma espécie de coroa e um cesto para a "lady".
























Depois de uma tentativa falhada para visitar o interior dos Kidichi Persian Baths, construídos na colina mais alta da ilha e que o sultão Said usava para tomar banho depois de visitar as plantações à volta (10 dólares por pessoa, que em teoria tinham de ser pagos mesmo para fotografar o exterior, pareceu-nos excessivo), regressamos à estrada que nos há-de levar a Nungwi, a nossa casa para a segunda noite, e fazemos a última paragem do dia meia dúzia de quilómetros antes, em Kendwa. Trata-se da única praia da ilha onde se pode tomar banho em qualquer altura (nas restantes, protegidas por uma barreira de coral, a água com altura suficiente para um banho pode ficar bem longe na maré baixa) e também a única oportunidade (tirando Stone Town, no final) de ver o pôr do sol no mar.
Acabamos por passar a tarde no Kendwa Rocks, que é hotel, restaurante e bar de praia e também o local onde acontecem umas famosas full moon parties e outras festas animadas aos fins-de-semana. E ficamos até ao por do sol, nesse dia escondido por algumas nuvens, mas mesmo assim fotogénico.


















O dia em Nungwi - vila de pescadores e de turistas, com a beira mar quase toda ocupada por hotéis e alojamentos vários - começou com uma visita ao estaleiro de construção dos dhows de Zanzibar, os barcos de pesca tradicionais desta zona de África. Fica muito perto do farol, entre o mar azul e uma espécie de lixeira (que uma turista aproveita como cenário para se fazer fotografar), e na altura da nossa passagem dois homens metiam mãos à obra. Um deles, que se apresenta como Mohamet, pede dinheiro para comprar ferramentas, que precisa de ir à loja com urgência. Digo-lhe que já contribuí para a caixa de gorjetas que se encontra ali perto (a entrada no estaleiro não é paga mas uma contribuição é bem vinda) e ele parece perceber. Continua a trabalhar e eu aproveito para fotografar - com autorização de todos os presentes.
O Mnarani Natural Aquarium, ali perto e com um acesso algo confuso, é outra das atracções de Nungwi. Trata-se de uma pequena lagoa habitada por umas quantas tartarugas, que não parece valer o investimento (mais 10 dólares), sobretudo se se tiver como plano visitar o parque das tartarugas gigantes (na verdade são imensas e de todos os tamanhos), na Changuu Island, ao largo de Zanzibar City.
























Ao final da manhã do terceiro dia chegámos a Matemwe, povoação na costa leste, a uns 20 quilómetros ao sul de Nungwi. E Matemwe é uma aldeia tranquila, com alguns alojamentos bem enquadrados na paisagem (e sempre com muitos coqueiros por companhia) e uma praia com a areia tão branca que nos ofusca quando o sol está a pique. Assim uma espécie de paraíso para o viajante.
O Zanzibar Bandas Boutique Hotel, gerido por um casal de polacos e com oito quartos feitos integralmente em madeira e folhas de coqueiro (o nosso e outros dois estavam acabadinhos de estrear), foi a nossa escolha para as duas noites de estadia. E por ali ficámos a ver gente a passar e a usar a praia para um passeio dominical, um pescador de polvos que esfrega os animais na areia e os bate para os tornar mais tenros, uns miúdos que apanham isco para a pesca (e um deles pede-me para o fotografar) ou um grupo que joga à bola ao final do dia.


































Um lugar como Matemwe merecia ser aproveitado ao máximo, pelo que na manhã seguinte me levanto às seis para ver o nascer do sol, nesse dia marcado para as 6h26 (na costa leste o sol nasce no mar e põe-se em terra). E ainda não eram sete da manhã e já me tinha cruzado com um rapaz que lavou à beira mar três grandes baldes de plástico e a seguir os dentes (o que me fez lembrar do lago Niassa, em Moçambique, onde toda a gente lava tudo o que tem para lavar), com um outro que limpou e alisou o areal em frente ao nosso pequeno hotel, com vários homens a correr e vestidos com equipamentos que parecem de equipas de futebol, provavelmente com a primeira turista do dia (com headphones e em passo de caminhada), com as primeiras crianças (três raparigas muito novas e só a mais pequenina não usava hijab, o lenço com que muitas mulheres muçulmanas cobrem a cabeça), com o pescador de polvo da véspera ("Jambo!"), com uma mulher que entra toda vestida dentro de água e caminha ainda um bom pedaço mar adentro e com uma outra de lenço preto e t-shirt branca que passa com uma caixa de plástico à cabeça. Quando três burros decidem vir também até à praia, suspendo por um pouco a minha actividade de people watching para lhes fazer uns retratos - e pelo menos estes não me dizerem que não.














Ao largo de  Matemwe fica a pequena e privada ilha de Mnemba, considerada como um dos melhores locais de Zanzibar para fazer mergulho e que tem uma praia de areia que parece ainda mais branca do que a areia já muito branca das restantes praias. Só pode, no entanto, ser pisada pelos hóspedes do muito exclusivo e caro &Beyond Mnemba Island - também conhecido localmente por Bill Gates Hotel -, que tem tarifas para uma pessoa e por noite de 1270 ou 1760 dólares consoante a época.
Resta pois como alternativa vê-la do barco que contratamos para fazer snorkeling, tarefa que acaba por ser dificultada pela forte ondulação do mar e também por os corais e peixes se encontrarem na maior parte dos sítios a uma profundidade que não ajuda à observação. Mesmo assim, foi uma boa viagem, preenchida na ida por uma espécie de aula sobre a História de Zanzibar dada pelo nosso guia Cosmos (que nos fala de como os portugueses chegaram à ilha em 1503, dos árabes, do comércio de escravos ou da presença inglesa) e marcada por uma série de encontros com bandos de golfinhos. Era possível saltar dos barcos - havia vários à nossa volta, uma espécie de hora de ponta ao redor de Mnemba - e nadar com eles. Assim se conseguisse ser rápido para os acompanhar.
Um dos dois turistas alemães com quem dividíamos o barco mergulhou mesmo a tempo e acabou por fazer um belo vídeo com a sua GoPro, que partilhou connosco mais tarde por WhatsApp. O pior foi quando nos perguntou a nossa nacionalidade e lhe dissemos Portugal (Portugal?). Quando acrescentamos Lisboa o resultado foi semelhante (Lisbon?). Ainda bem que no dia seguinte um polícia, numa operação stop, nos perguntou por Ronaldo quando viu a carta de condução. Começava a ter dúvidas sobre se não me teria enganado no país de origem.






















Dizemos adeus à praia e à povoação de Matemwe (com as suas cabras, os molhos de lenha, as casas de telhado de chapa e outros de palha) e continuamos a exploração da costa leste com uma estadia de três noites em Jambiani e noutro pequeno hotel (este com seis quartos) mesmo sobre o mar, desta vez o Mamamapambo Boutique Hotel, gerido por um casal de italianos. E entre passeios pela praia (o primeiro logo à chegada, para ver as deliciosas competições dos miúdos com os seus barcos em miniatura) e incursões nas proximidades foram dias felizes os que ali passámos (ver mais sobre Jambiani aqui e aqui).
































Ao segundo dia voltei a saltar da cama ainda de madrugada, atraída pelas mulheres cultivadoras e apanhadoras de algas (tinha lido no Le Guide du Routard que na maré baixa as mulheres as cultivam no mar e que cada uma tem o seu "jardim" bem delimitado por cercas feitas de paus e que mais tarde, depois de as secarem, as vendem a um grossista que as exporta para o Japão), com quem na véspera já me tinha cruzado. E a praia estava cheia delas, que entravam no mar para encher os sacos, regressavam a casa para os esvaziar e novamente mar adentro para os encher de novo. Nenhuma quis ser fotografada mas mesmo assim dei o tempo por bem empregue.






































Jambiani, uma aldeia que se estende por cerca de quatro quilómetros, sempre entre a praia e a estrada alcatroada, pode ser o ponto de partida para conhecer as praias de Page, de Bwejuu ou, um pouco mais acima, a de Michanwi Pingwe, onde se localiza o super fotogénico The Rock. Aí, passei boa parte do dia, das dez da manhã às seis da tarde, sem conseguir arredar pé (ver mais aqui).










E a absolutamente tranquila Bwejuu, onde me cruzei apenas com dois turistas provavelmente já reformados, alguns locais que passavam de moto ou bicicleta e um macaco pendurado no telhado do restaurante durante a hora do almoço, foi o destino para o último dia de praia. Aí, fomos acolhidos no Echo Beach Hotel, onde os não residentes são bem vindos apenas para passar o dia. E com direito a utilizar a piscina, uma boa forma de compensar a maré vazia.


















Praias exploradas, faltava - para além de Stone Town, reservada para os últimos dias e que ficará também para o próximo post - conhecer o Jozani National Park, o último pedaço que resta da floresta tropical de Zanzibar (fica a cerca de 35 quilómetros de Stone Town e na estrada que liga Jambiani à capital).
As visitas são feitas na companhia de um guia, que conduz os visitantes por alguns trilhos na floresta, depois em busca dos macacos que a habitam (os colobus vermelhos são famosos por só existirem ali e por terem apenas quatro dedos) e no final por alguns passadiços de madeira que cobrem uma zona de mangal. Desta vez, tivemos por companhia três polacos e dois romenos - todos muito suados, tal como nós - e pelo menos os dois últimos sabiam onde fica Portugal.













Zanzibar, que desde 1964 faz parte do território da Tanzânia, é um arquipélago ao largo de Dar es-Salaam que tem como ilhas principais Unguja (a que todos chamam Zanzibar) e Pemba, localizada a cerca de 50 quilómetros a norte da primeira. E ainda cerca de 50 ilhotas mais pequenas: Changuu, também conhecida como Prison Island e que acolhe um parque de tartarugas, e a privada Chapwani, ou Grave Island, que tem um cemitério que data de 1879 e um hotel com dez quartos mesmo sobre a praia, ficam ao largo de Stone Town.

De Maputo, é possível viajar para Dar es-Salaam, com a LAM, num voo que pode incluir paragens em Nampula e em Pemba e que tem a duração total de cinco horas e um quarto. De Dar para Zanzibar há duas hipóteses de ligação: avião (a Coastal Aviation tem 16 voos diários com 20 minutos de duração e a 86 dólares por pessoa), que foi a nossa opção na ida, e barco (os mais rápidos fazem a viagem em cerca de duas horas e custam 40 dólares em business class), que foi a opção para o regresso ao continente.

A partir de Lisboa, há voos para Zanzibar com a Luftansa desde 867 euros (pesquisa feita na eDreams). Mais de 30 horas e quatro escalas depois (em Frankfurt, na Alemanha, em Gidá, na Arábia Saudita, em Adis Abeba, na Etiópia, e em Kilimanjaro, já na Tanzânia) chegará o viajante ao seu destino.

Viajámos pela ilha de carro e o aluguer de um Suzuki Vitara para seis dias, na Zanzibar Express Car Hire em regime de self drive (a mesma empresa também aluga carros com motorista incluído), teve um custo de 210 dólares. Para conduzir em Zanzibar é necessário, para além da carta do país de origem, ter uma carta local temporária, que custa 10 dólares. A empresa trata de tudo previamente e o documento é entregue juntamente com o carro. Mais informações no site ou através do telefone +255777 410186.

Uma opção mais barata (mas mais lenta) é viajar em dala dala, uma espécie de carrinhas de caixa aberta com bancos corridos e um toldo. O que vai de Stone Town para Jambiani é o 309 - havemos de nos cruzar com ele perto de Page, carregado de passageiros e de lenha no tejadilho - mas há outros que asseguram ligações para todas as localidades principais.

A época baixa em Zanzibar coincide com a época das chuvas, que decorre normalmente de meados de Março até Junho, e muita coisa fecha nessa altura. De resto, em matéria de clima, Agosto é o mês mais fresco e os meses de Dezembro a Março são os mais quentes.

O festival de música Sauti za Busara, com bandas de música do continente africano (decorre geralmente ao longo de quatro dias em Fevereiro),  e o Zanzibar Internacional Film Festival, que em 2017 acontecerá de 8 a 16 de Julho (ver aqui), são os momentos altos em Stone Town no que à cultura diz respeito. E podem bem ser o pretexto para programar uma viagem.

O visto para a Tanzânia, necessário para entrar em Zanzibar, pode ser tirado à chegada - nos aeroportos e fronteiras terrestres - e custa 50 dólares.

Há informações contraditórias sobre a necessidade de ter a vacina da febre amarela em dia para entrar na Tanzânia (já agora, a vacina era antes válida por dez anos mas agora dura para toda a vida se alguma vez se tiver tomado, basta obter o respectivo carimbo de vitalício num centro de vacinação). Aparentemente, só é obrigatória se se viajar de um país onde a doença seja endémica mas pelo sim pelo não mais vale levar o certificado em ordem (o meu acabou por ser exigido no regresso a Moçambique).

O inglês, que não é falado por toda a gente, é habitualmente a língua comum entre turistas e locais. Mas há algumas palavras em suaíli que se ouvem por todo o lado: jambo (bom dia), karibu (bem vindo), asante (obrigado) e hakuna matata (não há problema). Bia (cerveja), maj safi (água mineral), bei gani (quanto custa), choo (casa de banho), soko (mercado) ou safari (viagem) podem também ser úteis.

Há vários operadores que realizam viagens de Matemwe até ao largo da ilhota de Mnemba, para fazer mergulho ou snorkeling. Consegui o melhor preço com um rapaz que me propôs o serviço enquanto dava um passeio pela praia e no dia seguinte lá estava o barco à hora marcada. Contacto: +255 777 562 665.

Os bilhetes para o Jozani National Park custam 8 dólares por pessoa (mais 2 para a zona de mangal) e o recibo é passado pelo The Revolutionary Government of Zanzibar.


Mais sobre a viagem a Zanzibar aqui (The Rock), aqui e aqui (Jambiani) e aqui (Stone Town).

Comentários

  1. Muito obrigado pela sua partilha, adorei, fotos fantasticas, e informação que pode ser muito útil para quem (como eu) deseja visitar esses lugares Obrigado

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