#6 Moçambicanos - Bruno Massada Rafael Augusto Chimuwaza, Maputo

Massada, também conhecido por Bruno, nasceu há 28 anos no Dondo, província de Sofala, no centro de Moçambique. Nos primeiros tempos de vida não teve nome, por a mãe achar que o pai, que vivia então no Chimoio já com outra família, devia participar na escolha. Foram os vizinhos do bairro de Mandruzi, onde viviam, que lhe atribuíram o primeiro nome, Massada Comboio, sendo que massada significa, na língua sena, "castigo" ou "sofrimento" e comboio era o transporte utilizado nas viagens feitas pela mãe para mostrar ao ex-companheiro que o filho continuava vivo. Foi já na 5ª classe, quando tinha de ter uma certidão para fazer o exame, que o conservador, cheio de trabalho na altura, não deu nenhuma alternativa e aceitou Massada, tendo ficado com o nome completo de Massada Rafael Augusto Chimuwaza, os três últimos herdados do pai. Uns anos mais tarde, quando se encontrava internado no Hospital Central de Maputo, onde fez três cirurgias à garganta, a enfermeira Soraia, hoje médica, sugeriu-lhe que mudasse de nome, talvez por acreditar que Massada estivesse relacionado com o drama e a má sorte do rapaz. E então sugeriu Bruno, predispondo-se a ser a madrinha. E ele aceitou, embora também continue a usar o "nome estranho", diferente de todos os outros.

Os pais de Bruno viram muitos filhos morrer com pouca idade ou ainda antes de nascerem (entre os dois teriam tido 13 se todos tivessem sobrevivido, restaram 3 com vida), pelo que o pai, "que acreditava muito na superstição", deixou a mãe quando esta ficou novamente grávida. Os curandeiros que consultou ter-lhe-ão dito que o problema da perda das crianças vinha da parte da família da mulher, que teria lançado maldições por ter havido má distribuição do "famoso lobolo", o dote que o homem paga à família da noiva na altura do casamento. Bruno só conheceu o pai, que era do Malawi mas foi ainda pequeno para Moçambique com um irmão, em 2009. Nessa altura, já a mãe tinha morrido, por a casa que habitavam lhe ter desabado em cima, durante uma noite de um 27 de Dezembro. E em 2013 acabou por perder também o pai, vítima de doença. 

Bruno, que não acredita em superstições nem em "nenhuma dessas coisas", estava em casa da irmã mais velha, no bairro de Mafarinha, também no Dondo, na noite em que perdeu a mãe e uma meia-irmã bebé chamada Teresa, e com ela ficou a viver até irem à procura do pai. Tinha chegado à 8ª classe e a matrícula passava a ser paga, pelo que a irmã precisava de ajuda. Recorda que esses dias foram "bem difíceis", por não estar habituado a chamar pai a alguém, e que em alguns momentos esbarrava com a palavra tio. O pai terá ficado feliz quando viu o filho, "mesmo emocionado", mas acreditou que a maldição tinha voltado quando este ficou doente. 

Em 2010, quando já frequentava a 8ª classe e gostava de dançar, Bruno fazia parte de um grupo que preparava uma coreografia para receber na escola o Presidente Guebuza. E foi nessa altura, quando os seus colegas notaram que respirava com dificuldade, que teve início o seu "drama de saúde". Sem a ajuda do pai, que novamente se aconselhou com "um mágico", Bruno foi pedir apoio à Igreja. Nesses tempos, ia sozinho ao hospital de Chimoio, muito fraco, com a hemoglobina a 4 e a precisar de transfusões. Acabou por ser transferido para a Beira, onde lhe foi diagnosticada, por um médico cubano, tuberculose pulmonar. Mas o problema era outro e seguiu viagem para o Hospital de Maputo, onde um dia ouve a equipa médica dizer que a única solução seria cortarem-lhe as cordas vocais. E ele que não se via a ficar sem voz. Valeu-lhe o Dr. Júlio, um médico "que não esquece". Não concordou este com a ideia dos colegas, a quem disse que cortar as cordas vocais a um menino que nasceu falando era matá-lo, não curá-lo. Numa quarta feira ficou a saber que as suas cordas vocais estavam dobradas e que era isso que provocava a dificuldade em respirar e em falar. Fez três cirurgias, entrando sempre sozinho no bloco operatório, enquanto via os outros doentes com os familiares a darem força. Ele tinha o apoio de enfermeiros e médicos.

À terceira correu bem e Bruno regressou a Chimoio, onde o pai tinha entretanto perdido a vida, já "bem forte", ficando a viver no Infantário 1º de Maio e a frequentar a 10ª classe, com a Acção Social a acompanhar a situação. Chegou a ganhar uma bolsa de estudo para o Instituto de Gestão Bancária, no Gurué, na Zambézia, mas a 2 de Fevereiro de 2014 ficou doente de novo. Nesse dia acordou inapto, sem mexer braços nem pernas, pelo que um médico aconselhou o regresso a Maputo. Aí ficou internado por uns seis meses, no serviço de neurologia, e depois disso a viver no Centro de Apoio à Velhice, no bairro de Lhanguene, para conseguir ter acesso a tratamento ambulatório e a uma vigilância frequente. Uma neuropatia hereditária ou doença de Charcot-Marie-Tooth, uma doença muito rara que afeta os nervos periféricos, foi o diagnóstico final. Bruno, que tem algumas limitações nos dedos das mãos, continua a ter consultas trimestrais de controle. Sabe que um dia talvez possa ter problemas nos pés, a ponto de não conseguir andar. Entretanto, consegue escrever normalmente, usar computador, andar de moto e bicicleta ou conduzir um carro.

O lar de idosos que acolheu Bruno, onde residem actualmente um pouco mais de 30 utentes, funciona também como centro de trânsito para quem está por Maputo e precisa de ajuda. E acabou por ser a sua casa até hoje. Os primeiros tempos por lá foram "anos muito pesados", pois saía de uma realidade de estar com crianças (o Infantário 1º de Maio, no Chimoio) para uma em que ele era a única criança. Com o tempo aprendeu changana para comunicar com os companheiros de casa, de quem se tornou "o menino querido", e também a lidar com a morte. O que teve de fazer muitas vezes sozinho e durante a noite ou ao fim de semana. No início Bruno partilhava quarto com os outros residentes, mas com o andar do tempo ganhou um quarto só para si, onde tem uma estante com livros, uma mesa com um computador e a sua cama. Apesar do lado positivo da experiência (ter ganho maturidade e o carinho dos idosos), Bruno tem planos para o futuro. Quando tiver poupanças talvez compre um terreno e comece por construir uma casinha com um quarto.

Bruno apostou um dia com o irmão mais velho, entretanto mergulhado no álcool e nas drogas e que achava então que "toda a família seria de pedreiros", que era capaz de dispensar aos exames da 12ª classe e continuar a estudar. E ganhou: com a ajuda nos primeiros tempos da sua médica especialista em otorrinolaringologia, a Dra. Sónia, conseguiu entrar na Universidade e está agora prestes a concluir a licenciatura em Ensino de Matemática, que frequentou no Instituto Superior de Estudos de Defesa Tenente General Armando Emílio Guebuza, na Matola, só faltando apresentar a tese.  E enquanto prosseguia os estudos, mais tarde com a ajuda do Instituto de Bolsas de Estudo, foi sendo voluntário e é agora coordenador de projectos na Associação Luz Verde, que se dedica a melhorar a vida de crianças e adolescentes órfãos e vulneráveis, fez um estágio remunerado no BCI, o seu primeiro emprego, e ainda outro não remunerado como professor de Matemática na escola onde andou nos últimos anos do secundário, a Escola Comunitária Armando Emílio Guebuza. Actualmente trabalha, com um contrato de seis meses, na instituição financeira Bayport. Conseguir renová-lo seria um dos momentos mais felizes da sua vida, a juntar aos dias em que soube que tinha mesmo dispensado nos exames no final do secundário, que soube que ia poder continuar a falar ou que conseguiu o primeiro trabalho remunerado.

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Retrato feito a partir de conversas várias, sobretudo da realizada em Maputo a 14 de Fevereiro de 2023. É o sexto de uma série sobre moçambicanos a ser publicada aqui no blogue.

Mais informações sobre a actividade da Associação Luz Verde na sua página do Facebook ou através do telefone +258 879660589 ou e-mail massadarafael53@gmail.com.


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