Jordânia: na rota dos "castelos" do deserto
Um amigo perguntou-me, já eu levava uns dias de Jordânia, o que fazia eu por lá. "Petra, já ouviste falar?", respondi-lhe de forma simplificada. E também com que países a Jordânia faz fronteira. "Só bons países", brinquei. Pois ao segundo dia de viagem, deixando para trás as ruínas de Jerash e o castelo de Ajloun, fiz uma incursão para Este e continuei por perto da fronteira com a Síria, aproximei-me da do Iraque (a partir de Al Azraq, era só seguir a Baghdad International Highway até Trebil e chegava lá) e estive perto de tocar na da Arábia Saudita. O objectivo era ir ao encontro dos "castelos" do deserto, uma série de edifícios muito diferentes entre si e que não costumam estar no programa de quem passa pela Jordânia mais a correr. Mas nós tínhamos tempo.
Chegámos ao primeiro "castelo", o Al Azraq Castle, o único que teve mesmo essa funcionalidade, depois de percorrermos a estrada 30, que tem uma presença militar forte e onde nos cruzamos com alguns sinais de proibido fotografar. E de nos impressionarmos com o campo de Al Azraq, construído em 2014 para refugiados da guerra na Síria e gerido pelo ACNUR, das Nações Unidas, em conjunto com o Governo da Jordânia. Procuro-o no Google Maps e volto a impressionar-me com a imensidão de casinhas de zinco e aço distribuídas por um espaço que foi pensado para acolher até 130 000 pessoas mas que nunca chegou a essa capacidade. Tento imaginar como é viver ali, longe de casa, num sítio tão remoto, tão ventoso, com deserto por todos os lados e no Verão com temperaturas extremas, e com um vale mensal que é dado para ser gasto em alimentação. Ou se sobrar, talvez nas lojas existentes por ali. Para além de escolas e de um hospital, as imagens por satélite mostram que há também um barbeiro, uma sapataria ou uma loja de recordações. O que venderá?
O Al Azraq Castle ou Qasr Al Azraq (sendo que qasr, palavra árabe, significa palácio) é uma fortaleza construída em basalto negro, famosa por ter sido o quartel general de Lawrence da Arábia, o arqueólogo, militar e escritor britânico que esteve envolvido na Revolta Árabe durante a Primeira Guerra Mundial. Também conhecido como "o oásis de Lawrence", o Qasr Al Azraq é o mais antigo dos quatro "castelos", remontando a sua origem ao século III e ao tempo dos Romanos, que o construíram para defender o oásis que era na altura toda esta região. Não é o mais belo, até por estar à beira da estrada e envolto pelo casario de Azraq, mas vale uma paragem.
Os restantes "castelos", o Qasr Amra, o Qasr Al Kharana e o Qasr Al Mushatta, todos construídos por volta do século VIII, teriam de esperar pelo dia seguinte. A pequena cidade de Azraq mereceu mais do que uma visita rápida, até por ter por perto duas reservas que queríamos conhecer: a Azraq Wetland Reserve e a Shaumari Wildlife Reserve. Começámos pela Shaumari, a uns 20 quilómetros a sul de Azraq e nos confins da Jordânia, perto da Arábia Saudita, onde um safari de jeep, a fazer lembrar os safaris em África, nos levou ao encontro do órix da Arábia, na companhia de um guia que nos perguntou se éramos da República Checa. O órix, um antílope branco, foi reintroduzido no seu habitat original com a ajuda dos EUA e do Qatar, em 1998, depois de ter sido dado como extinto por volta de 1965. Eram 11 no início, hoje são mais de quatro dezenas.
Na Azraq Wetland Reserve, muito próxima do cruzamento das estradas 30 e 40 e de uma rua imprópria para gente mais sensível (onde ovelhas vivas convivem com animais já mortos pendurados ao ar livre e respectivas peles pelo chão), ficamos a saber que a região já foi em tempos habitada por elefantes, hipopótamos e rinocerontes – hoje restam as aves residentes ou migratórias, que se contam em cerca de 150 espécies, e alguns búfalos reintroduzidos no final dos anos 90. Aprendemos também que o oásis de água que já teve quilómetros quadrados de dimensão e onde antes se pescava e de onde se extraía sal, está agora bastante ameaçado, quase uma miragem, apesar do Governo assegurar todos os anos o fornecimento de 1.5 a 2.5 milhões de metros cúbicos de água a esta zona húmida. Esta continua a fornecer água à capital: um em cada quatro copos de água que se bebem em Amã terá origem em Azraq.
Entre as duas reservas, de registar um encontro com um rebanho de algumas centenas de ovelhas, guardado por um pastor que me chamava para fotografar de perto o burro que o acompanhava, e que eu tentava fotografar de longe, mas também por um cão de guarda que me ladrava a cada movimento ou tentativa de aproximação. E uma noite passada no Azraq Eco Lodge, que já foi base militar e é vizinho do lado da movimentada base aérea Muwaffaq Salti, da Royal Jordanian Air Force mas usada também pelos EUA, onde os aviões podem levantar ou aterrar durante a noite ou manhã cedo, assustando os turistas mais desprevenidos.
E seguiu a viagem, estrada 40 fora em direcção de Mowaqqer, até aos próximos "castelos". Primeiro o Qasr Amra, sozinho no meio do nada e com os seus frescos classificados pela UNESCO como Património da Humanidade. Terá sido um pavilhão de caça, com uma sala de audiências e de banquetes e vários espaços para banhos, e terá sido usado como residência temporária dos membros da dinastia então reinante, os omeyyades. A 15 quilómetros dele, do lado esquerda da estrada, aparece o Qasr Al Kharana, edifício quadrado de dois andares e cuja data e função original ainda são assunto de debate. Com os seus muitos quartos, alguns espaços que se pensa terem sido cozinhas e um hammam, poderá ter sido uma espécie de albergue para caravanas, talvez o primeiro inn do período islâmico. E por último o Qasr Al Mushatta, cujas ruínas do palácio omeyyade original foram ocupadas durante séculos por beduínos e os seus rebanhos, que lhe chamaram "mushatta", ou "campo de inverno". Chegar lá, com a ajuda da aplicação Maps Me, foi uma aventura que incluiu trilhos pelo meio do campo. Mas que teve um final feliz. O Al Mushatta, destruído outrora por uma tremor de terra e que tem agora a sua fachada de três arcos reconstruída, está em obras e com os arredores um pouco caóticos. Talvez tenhamos sido os únicos visitantes do dia.
Um quarto duplo para não jordanos no Azraq Eco Lodge custa 85 dinares (cerca de 109 euros, ou 144 com pequeno almoço e jantar), devendo as reservas ser feitas no site Wild Jordan. A tarifa inclui a entrada na Azraq Wetland Reserve e um percurso sem guia, que tem um custo de 8 dinares para quem não ficar no alojamento. Há dois percursos mais longos que podem ser feitos com um custo adicional e reserva prévia (ver aqui).
Na Shaumari Wildlife Reserve há safaris de uma hora e pouco e outros de 2 a 3 horas, com um custo de 18 e 22 dinares (cerca de 23,50 e 28,50 euros). Há também trilhos para fazer a pé ou de bicicleta. Mais informações aqui.
A entrada nos "castelos" do deserto está incluída no Jordan Pass. Para quem não tenha custa 3 dinares cada (cerca de 4 euros), exceto o Qasr Al Mushatta, que parece ter entrada livre.
Mais sobre a viagem à Jordânia nos links Jerash e Ajloun, Madaba, Wadi Mujib e Estrada do Rei, Aqaba, Wadi Rum, Petra, Mar Morto e Amã.
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