Jordânia: um encontro com Sami em Wadi Mujib
Ao quarto dia de viagem saímos de Madaba rumo ao Sul, via a ancestral Estrada do Rei, da qual não se conhece a origem do nome mas que terá sido usada pelo profeta Moisés e também como rota comercial para transportar incenso e mirra proveniente do actual Yémen. Tínhamos cerca de 180 quilómetros para percorrer até Dana, uma aldeia de poucas casas construídas em pedra, algumas em ruínas, à beira de um desfiladeiro, e três ou quatro paragens programadas pelo caminho. Paragens às quais juntámos mais uma ou outra rápida, para fotografar um camelo à beira da estrada ou uma paisagem verde num país maioritariamente desértico.
Atravessando os planaltos de Moab e Édom, a Estrada do Rei passa, 30 quilómetros a sul de Madaba, por Umm Ar Rasas, um sítio arqueológico com ruínas de civilizações romanas, bizantinas e muçulmanas e Património da Humanidade declarado pela UNESCO em 2004 (e o rapaz da bilheteira a perguntar por que não levámos connosco o Cristiano Ronaldo). Em Umm Ar Rasas, local aparentemente pouco frequentado por turistas, escavações arqueológicas descobriram pelo menos dez igrejas e capelas, que terão sido construídas pelos diferentes povos que por ali passaram. A Saint Stevens Church, que data do século VIII, impressiona pelo estado de conservação do seu pavimento feito em mosaicos, onde abundam os desenhos de uvas e de cestas para as transportar, barcos, peixes e outros animais marinhos e ainda referências às cidades situadas no delta do Nilo e às cidades da Jordânia e outras vizinhas, como Jerusalém ou Gaza, cada uma ilustrada por um monumento.
A "estrela" do dia seria no entanto o desfiladeiro de Wadi Mujid, serpenteado pela estrada ao longo de 15 quilómetros e passando esta por uma barragem situada 100 metros abaixo do nível do mar (e onde há terrenos férteis que produzem, entre outras coisas, morangos que são exportados para a Arábia Saudita) e elevando-se pouco depois a cerca de 800 metros de altitude. É aí, no sítio com melhor vista sobre o desfiladeiro e a barragem, que conhecemos Sami, um beduíno de Wadi Rum que trabalhou na Royal Jordanian Air Force e nos EUA, no estado do Texas, como técnico de manutenção hidráulica de aviões e que agora tem um café onde serve chá de menta fresca aos turistas de passagem. Como foi ali parar é uma "longa história" que não nos chega a contar.
Quanto saio do carro para fotografar, ouço-o perguntar ao meu companheiro de viagem o que é feito do seu sorriso. E acrescentar que sem um sorriso lhe fica com a mulher. Acabamos todos a rir, e ainda mais quando Sami, que tem um filho de 22 anos a estudar na Universidade em Aqaba, me tenta seduzir com um "pacote" bastante tentador: se eu por ali ficasse, construía um quarto só para mim, acordava-me para eu ver o nascer do sol, ensinava-me árabe em um mês, cozinhava e eu só precisava de ficar sentada a ver a vista. Prometo-lhe que volto depois de conhecer Petra e o deserto e ele despede-se com um coração feito com os dedos, um "I love you" e a oferta de uns pacotinhos de bolachas para a viagem.
Viagem que prosseguiu até à cidade de Karak e ao seu castelo, onde se concretizam as previsões de mau tempo e frio que nos fizeram alterar o roteiro previsto para os dias seguintes: Petra, com vento forte e onde chegou a nevar, e o deserto de Wadi Rum, com vento e temperaturas muito baixas, teriam de ficar para depois de Aqaba, a única estação balnear da Jordânia, no Mar Vermelho. A tempestade chegou a Karak mesmo no fim do almoço - piquenique no castelo dos cruzados, que tem subterrâneos que não chegámos a ver, e obrigou-nos a procurar refúgio no Museu Arqueológico. Aí aprendi que Moab era o nome antigo da área onde nos encontramos e que Karak significa fortaleza numa língua antiga. E ainda que a Estrada do Rei vai da Síria, no norte da Jordânia, até ao Golfo de Aqaba e que a sua utilização remonta ao ano 1200 AC ou mesmo antes. Durante o período islâmico chamou-se Darb al Sultan, que significa Estrada do Sultão.
Depois de percorrermos mais um desfiladeiro, o Wadi Al Hasa (e o castelo de Shawbak, no alto de uma colina a uns 1600 metros de altitude, e Petra só de longe a ficarem para o dia seguinte), instalámo-nos na Dana Guesthouse, à beira da Reserva Natural de Dana, ao final da tarde. Dana foi durante séculos um lugar abençoado pela abundância de água e por um solo fértil, o que permitiu a fixação de população, até ficar abandonada nos anos 70, quando os habitantes se mudaram para mais perto de uma cimenteira, em busca de trabalho. Agora é uma aldeia a renascer pela via do turismo.
Em Dana fica uma das três entradas para a Reserva Natural, a maior da Jordânia, com 320 quilómetros quadrados que vão desde o Mar Morto e dos 50 metros abaixo do nível do mar até Wadi Araba e aos 1700 metros de altitude. E a Reserva, que pode ser percorrida num trilho por conta própria e em vários outros apenas na companhia de um guia, não só é a maior como tem uma biodiversidade que junta animais e plantes de três continentes: Europa, África e Ásia. Uma brochura disponível na recepção da nossa guesthouse informa que por ali habitam 190 espécies de aves, 37 de mamíferos e 36 de répteis, para além da existência de 984 espécies de plantas. Não fora a temperatura tão baixa, que nos fez sobrepor todos os agasalhos que seguiam na bagagem, e teríamos arriscado o Wadi Dana Trail, de 14 quilómetros, ou parte dele. Assim, ficámo-nos por uma volta pela aldeia, que tem uma mesquita com a cúpula e o crescente em pedra, tal como o resto das construções, e um ou outro morador, e pela contemplação do desfiladeiro e do vale, enquanto tentávamos não ser levados pelo vento.
A Jordânia, que tem 400 e poucos quilómetros de Norte a Sul, tem três estradas principais que a atravessam: a 65 ou Dead Sea Highway, que vai de Irbid, quase na fronteira com a Síria, até Aqaba, no Mar Vermelho, seguindo ao longo do Vale do Jordão e da fronteira com Israel (vale a pena fazer pelo menos a parte do Mar Morto), a 35 ou Estrada do Rei, que passa por Madaba, Wadi Mujid ou Petra, e a 45 ou Desert Highway que atravessa a parte mais a Leste do país e vai até Wadi Rum e Aqaba.
Um quarto para dois na Dana Guesthouse, um alojamento com 22 quartos economy (casa de banho partilhada) ou deluxe, construído nos penhascos de Dana, custou 80 dinares (cerca de 102 euros), com pequeno almoço incluído. As reservas devem ser feitas no site Wild Jordan, onde estão disponíveis também os preços de todas as caminhadas que se podem fazer na reserva (aqui). O Rummana Campsite (com tendas para 2 e 4 pessoas) e o Faynan Ecolodge, geridos igualmente pela Royal Society for the Conservation of Nature, são outras das opções de alojamento nas proximidades. O Faynan Ecolodge, acessível pela estrada 65, foi considerado pela National Geographic Traveler Magazine como um dos 25 melhores ecolodges no mundo (mais informações aqui).
A Reserva de Dana tem entradas na aldeia de Dana, no Tower Vieu Point, 15 quilómetros a norte da aldeia, com indicação para quem vem da Estrada do Rei, e junto ao Faynan Ecolodge, através da estrada do Mar Morto. A entrada, que custa 10 dinares para estrangeiros, está incluída na estadia da Dana Guesthouse.
Mais sobre a viagem à Jordânia nos links: Jerash e Ajloun, Azraq e Castelos do Deserto, Madaba, Aqaba, Wadi Rum, Petra, Mar Morto e Amã.
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