Jordânia: dois dias de diversão no deserto de Wadi Rum

Depois de um fim de semana passado em Wadi Rum, durante a viagem à Jordânia em Março e Abril deste ano, só posso discordar da personagem de Lawrence da Arábia que diz que "Só há dois géneros de criaturas que se divertem no deserto: os beduínos e os deuses. Para o homem comum é uma ardente fornalha escaldante." Esqueceu-se dos viajantes, que não temem os dias quentes e as grandes amplitudes térmicas, sendo que chega a nevar em Wadi Rum no Inverno ou a ser necessário dormir, na Primavera, com gorro de lã e um monte de cobertores em cima. E que se deixam encantar pela vastidão da paisagem, pela tranquilidade infinita, pela sensação de liberdade, pela areia avermelhada, pelas montanhas e formações rochosas de formas curiosas, pelo céu super azul ou estrelado, pelo modo de vida das tribos que ali vivem ou pelos cozinhados que saem do zaarp, o forno feito num buraco escavado na areia e que depois é envolto em brasas.

Foi em Wadi Rum, ou Ram em árabe, também conhecido por Vale da Lua e desde 2011 Património Mundial da Humanidade, que foram filmadas muitas das cenas do filme de David Lean sobre a história de Thomas Edward Lawrence, o arqueólogo, militar, diplomata e escritor britânico que se tornou famoso pela participação na Revolta Árabe durante a I Guerra Mundial (e também os mais recentes Dune, de Denis Villeneuve, ou Perdido em Marte, com Matt Damon, entre outros). E Lawrence, que fez de Wadi Rum o seu quartel general contra os otomanos há mais de 100 anos, continua a ser uma figura mítica do deserto. Logo no primeiro passeio, feito em 4x4 a partir do Centro de Visitantes e na companhia de um guia que não falava inglês ("I'm not english", informou), passámos pelos Sete Pilares da Sabedoria, uma montanha que herdou o nome da obra autobiográfica de Lawrence, e pelo desfiladeiro Um Tawaqi, que tem as cabeças de Lawrence e também do príncipe Abdallah gravadas numa rocha de arenito. E mais a sul, pode o visitante encontrar ainda a Fonte de Lawrence e a Casa de  Lawrence.

Ao percurso de duas horas – curto para a imensidão de Wadi Rum, que tem 720 quilómetros quadrados só de zona regulamentada – seguiu-se uma caminhada por conta própria nas proximidades da aldeia de Rum, de onde partiam também grupos de jovens para maratonas de três dias, mochilas às costas e seguidos de perto por uma ambulância, e mais tarde um encontro com Feras Zalabia, que nos haveria de levar ao acampamento da primeira noite. O contacto com o nosso beduíno foi feito através do site Wadi Rum Bedouin Guide e o "pacote" contratado incluía três refeições (sendo que o jantar havia de começar à volta da fogueira com uma sopa de lentilhas e prosseguir com um estufado de frango, batatas e legumes cozinhado no forno típico do deserto), uma tenda para dois equipada com quatro cobertores duplos (também é possível dormir numa gruta, mas não chegámos a esse grau de aventura) e um jeep tour de oito horas que acabou por ser de dez. 

Se o primeiro passeio em 4x4, feito na zona norte e nas proximidades da aldeia de Diseh, nos soube a pouco, o do segundo dia, que percorreu grande parte da zona sul, não podia ter corrido melhor. Seguimos na companhia de dois rapazes ingleses mal vestidos para o frio da manhã, de uma rapariga irlandesa acabada de chegar de Aqaba e de Yosuf, irmão de Feras, que nos levou ao encontro de dunas de areia (onde se pode fazer sandboard mais ou menos radical), de arcos naturais em pedra (o Um Fruth é super fotogénico mas talvez impróprio para quem tenha vertigens, o Burdah, o maior de Wadi Rum, requer uma caminhada de umas três horas para ir e voltar, pelo que só o vimos pequenino e ao longe), do desfiladeiro Khazali, muito estreito, com pequenas piscinas naturais e desenhos de pés ou de figuras humanas gravados nas paredes (leio no site da Wadi Rum Nomads que há cerca de 25 000 petróglifos e outras 20 000 inscrições em Wadi Rum) e também de formações rochosas em forma de galinha ou de cogumelo. E foi perto da Mushroom Rock que Yosuf nos fez o almoço, um estufado de legumes cozinhado na fogueira, e que nós, aquecidos nessa altura pelo sol e já com os casacos da manhã postos de lado, fomos petiscando.

À volta pelo deserto em 4x4 juntámos nesse dia uns bons quilómetros de caminhada (a subir e a descer dunas, a escalar formações rochosas, a percorrer vales e desfiladeiros, a pôr os pés na areia quente), pelo que soube bem descansar ao final de tarde, enquanto o sol se escondia por detrás das montanhas e partilhávamos pão e conversa à volta da fogueira (mais uma, e que não seria a última, pois ainda havíamos de jantar no Wadi Rum Legend Camp). Juntou-se a nós um beduíno amigo de Yosuf, que é guia de escalada com corda e que nos foi falando da ajuda que o rei da Jordânia deu aos beduínos durante a pandemia, em dinheiro e em alimentos, quando os turistas desapareceram do deserto, das corridas de camelos que se realizam em Wadi Rum em Outubro ou em Novembro, dos preços que estes animais podem atingir (dos 3000 dinares, ou dos 4500 se derem leite, a 150 000, mais de 200 000 euros, para um camelo de corrida que foi vendido para o Dubai) ou do aumento do preço dos alimentos provocado pela guerra na Ucrânia (uma caixa de 5 quilos de tomate custava 2 dinares e passou a custar 5). Podia ter sido o final perfeito para a estadia em Wadi Rum, se não tivéssemos passado mais uma noite feliz por ali, num quarto com grandes janelas sobre o deserto e as montanhas, antes de rumar a Petra.


Abre numa nova janela






























































Wadi Rum fica no sul da Jordânia, perto da fronteira com a Arábia Saudita (e é aí que se ergue a montanha mais alta do país, a Jabal Um ad Dami, com 1845 metros), a 47,5 quilómetros de Aqaba e a cerca de 145 de Petra. Tem uma zona regulamentada localizada a sul da única linha de caminho de ferro da Jordânia, que faz o transporte de fosfatos para o porto de Aqaba, e na qual é necessário pagar para entrar (5 dinares, cerca de 7 euros), a não ser que se tenha o Jordan Pass. A norte da aldeia de Diseh fica a parte "livre", não tarifada, de Wadi Rum.

O deserto pode ser percorrido em 4x4 (passeios de duração à escolha, a partir de duas horas), a pé (por conta própria ou com guia, ao longo de pouco tempo ou de vários dias), de dromedário ou a cavalo. É possível reservar estas actividades no Centro de Visitantes, localizado perto da aldeia de Diseh, na associação Wadirum Bedouin Friends, que tem sede na aldeia de Rum e também um site, ou em agências como a Jordan Tracks (mais informações por WhatsApp: +962796482801).

Há centenas de acampamentos permanentes em Wadi Rum (e diz o guia Le Routard que muitos têm sido construídos nos últimos anos sem autorização e sem controlo da sua localização ou do seu tamanho), acampamentos temporários e alguns alojamentos na aldeia de Rum. Só no Booking há 317 opções disponíveis, com preços que vão de uns curiosos zero euros para cinco alojamentos aos 549 euros para  o quarto mais caro no Palmera Camp Wadi Rum. Também há acampamentos a 1, 2 ou 3 euros por noite para dois.

O Wadi Rum Bedouin Guide, um negócio familiar que para além dos irmãos Feras e Yosuf nos deu a conhecer também os primos Muhamed e Abdala, organiza passeios pelo deserto desde 4 horas (65 euros) a dois dias (200 euros). O programa que contratamos ficou por 130 dinares para dois (cerca de 183 euros), incluindo uma noite de alojamento numa tenda dupla (com casa de banho partilhada), jantar, pequeno almoço e almoço e o passeio Wadi Rum Highlights, de um dia inteiro em 4x4. Mais informações no site ou através do WhatsApp +962778297225.

O Wadi Rum Legend Camp, perto da aldeia de Diseh, acolheu-nos na segunda noite. Um quarto mais quente do que a tenda, reservado através do Booking, custou 28 dinares (cerca de 39 euros), com casa de banho só para nós e pequeno almoço incluído. O jantar foi pago à parte.

Mais sobre a viagem à Jordânia nos links: Jerash e AjlounAzraq e Castelos do DesertoMadabaWadi Mujib e Estrada do ReiAqabaPetraMar Morto e Amã.


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