Jordânia: e finalmente Petra!
Ao nono dia de viagem, ainda sob o efeito do fascínio do deserto, cheguei a Petra com as expectativas no nível máximo, ou não fosse a antiga cidade esculpida nas rochas pelos nabateus há mais de 2000 anos e escondida entre as montanhas de Sharah a atracção maior da Jordânia. E também uma das novas sete maravilhas do mundo desde 2007, Património Mundial da Humanidade desde 1985, um dos 28 lugares escolhidos pelo Smithsonian Magazine "para ver antes de morrer" e a propriedade mais cara do Monopólio na versão jordana. Três dias depois, quarenta quilómetros andados e o equivalente a 260 andares subidos e descidos, saía feliz da que é muitas vezes referida como uma maravilha ou milagre da arquitectura. Feliz e num carrinho de golfe, uma novidade recente (e cara) que transporta os visitantes mais apressados ou já sem pernas para andar entre o célebre Al Khazneh, também conhecido como o Tesouro, até ao Centro de Visitantes.
Nas primeiras horas em Petra percorremos o Siq, uma fenda natural na montanha, de 1,2 quilómetros, que funciona como a entrada principal do sítio arqueológico, e damos de caras no final com a fachada que faz com que muitos sonhem com uma ida a Petra, a fachada do Tesouro, uma estrutura de uns 40 metros esculpida na rocha e que terá sido um templo ou um túmulo, e à volta dele uma multidão de camelos e de carroças, de turistas e de beduínos, alguns com os olhos maquilhados com uma sombra preta caseira a que por ali se chama kohl. E logo a seguir a Rua das Fachadas, com a sua sucessão de túmulos; mais adiante o Teatro, o único do mundo totalmente esculpido na rocha; num desvio à direita e a subir os Túmulos Reais, um ornamentado com grandes arcos (o da Urna), outro com a fachada em rocha de vários tons (o da Seda), outro com uma fachada em cinco andares (o Túmulo Palácio). E perto dos Túmulos Reais a Igreja Bizantina, que terá sido construída no século V depois de Cristo, mais tarde destruída por um incêndio e um tremor de terra mas que tem ainda hoje parte do pavimento em mosaicos em bom estado de conservação.
Nessa noite, já na Jordan Guest House, a nossa casa em Wadi Musa, Shadi Al Falahat, que partilha o título de melhor anfitrião da Jordânia com Edward do Tell Madaba Hotel (reportagem aqui), abriu um mapa à nossa frente e fez um círculo à volta do Tesouro (que avistámos cinco vezes nos três dias por Petra, incluindo do alto de uma formação rochosa em frente, um bom sítio para sessões fotográficas) e outro à volta do menos acessível Ad Deir ou Mosteiro (aventura marcada para o dia seguinte). E assinalou também alguns trilhos fora da rota principal mais percorrida pelos turistas, como o Alto Lugar do Sacrifício, um antigo lugar de culto no topo de uma montanha com vista (e que vista) para a cidade antiga, ou o Wadi Farasah Trail, um caminho que passa por uma antiga fonte em forma de leão, por uma cisterna gigante (os nabateus eram peritos em canalizar e armazenar a pouca água disponível), pelo Templo do Jardim que era a casa do guarda da cisterna, por escavações nas rochas que ainda parecem habitadas ou por um túmulo com 14 sepulturas. Por esses caminhos havíamos de encontrar cafés isolados onde matar a sede e descansar, um lá no alto com a bandeira da Jordânia hasteada, uma vendedora de bugigangas que tocava flauta para atrair clientes ou dois rapazes que passavam de burro com a música Djadja, de Aya Nakamura, a sair de uma coluna que transportavam consigo.
Não é fácil chegar ao Ad Deir ou Mosteiro, um dos maiores monumentos de Petra e tão belo como o Tesouro, mas é obrigatório chegar. Do Centro de Visitantes até lá são uns 8 quilómetros, mais 8 no regresso, passando pelo Siq, Tesouro, Rua das Fachadas, Cardo Maximus ou Rua das Colunas, Grande Templo e Qasr al Bint (os dois enormes e construídos pedra a pedra, não esculpidos como a maior parte das edificações) e por fim por uma subida de 788 degraus (o guia Le Routard diz que os contou). Há quem faça a parte mais difícil de burro (a partida é junto ao restaurante The Basin). E há também quem faça a entrada em Petra pelas traseiras do Mosteiro, o que é uma boa opção para evitar fazer o mesmo percurso na ida e na volta. Nós apanhámos boleia de Shadi até ao limite onde os carros podem circular, caminhámos depois uns bons quilómetros pela Back Door Hiking Route, na companhia de muita poeira e às vezes quase levados pelo vento. Mas a chegada ao Mosteiro, meio escondido na montanha e assim chamado por se supor ter sido uma igreja na época bizantina (muitas grutas à volta têm cruzes gravadas e terão servido de refúgio para os eremitas), a sua contemplação demorada e o sumo de romã bebido na esplanada do As Deir, um café em frente, repuseram as forças para a descida e para o resto da jornada.
Petra, que permaneceu desconhecida para o mundo até 1812, quando o explorador suíço Johannes Burckhardt a "redescobriu", é tão fascinante como enigmática. Porque decidiram os nabateus, um povo de antigos comerciantes, construir uma tal cidade num deserto tão árido, num lugar tão inóspito? Foi já em Portugal, no regresso da Jordânia, que o documentário Petra: Secrets of the Ancient Builders, de Thierry Fessard e Yohann Thiriet, que passou no canal 2 da RTP, me fez viajar outra vez pela antiga capital do reino nabateu. E ficar a saber que ali terão vivido, no seu auge, mais de 20 000 pessoas, que os nabateus terão demorado dois séculos para criar esta cidade "excepcional", que tem mais de 2700 estruturas e monumentos esculpidos nas rochas, que Petra foi um ponto importante na rota comercial de incenso e mirra entre o Iémen e o Mediterrâneo, que foi entretanto anexada pelo império romano, que o Tesouro tem no topo uma urna funerária de mais de 3 metros e que terá sido talhado de cima para baixo sem utilização de andaimes (a madeira era por ali um recurso escasso), que o Qasr al Bint terá sido o primeiro edifício à prova de terramotos da História (e um tremor de terra destruiu parcialmente Petra no ano 363 depois de Cristo). Ou que os edifícios erguidos pedra a pedra utilizaram matéria prima proveniente de pedreiras em redor da cidade ou da pedreira Al Madhbah, perto do Alto Lugar do Sacrifício, sendo que os obeliscos que ali se erguem revelam a altura do solo antes da sua escavação.
Foi também já em Portugal que comprei e li Casei com um Beduíno, da neozelandesa Marguerite van Geldermalsen, que fui vendo anunciado em cartazes em muitas das bancas de Petra. No seu livro conta como era a vida por ali, onde viveu numa caverna durante anos, algures entre o Tesouro e o Mosteiro, depois de se ter apaixonado e casado com Mohammad Adballah, com quem teve três filhos. Marguerite, que viveu em Sidney depois da morte do marido e que voltou entretanto a ter uma loja em Petra (como conta no seu site), recorda em Casei com um Beduíno como em 1984 foi recebida pela rainha de Inglaterra e líder da Commonwealth, de visita à região (e como alguma comunicação social lhe chamou na altura "uma súbdita bastante invulgar"). Ou como em 1985 "desapareceu uma forma de vida" em Petra, quando os beduínos foram proibidos de habitar as suas grutas e as 68 famílias que viviam no vale foram transferidas para a "colónia" de Umm Sayhoon, nas proximidades. Mas talvez esse modo de vida não tenha desaparecido assim tanto. Agora já não é possível dormir em Petra (foi assim que Marguerite, que adoptou o nome árabe Fatima ou Umm Raami, conheceu Mohammad) mas os beduínos continuam pela cidade antiga, a rivalizar em número com os turistas, oferecendo os seus serviços e vendendo recordações. E dois deles dizem-me, ao terceiro dia, "I remember you" e "I remember your face", sinal de que dediquei a Petra todo o tempo e energia que tinha para lhe dar.
As ruínas de Petra, cuja porta de entrada é a cidade de Wadi Musa, ou Vale de Moisés, onde se localizam os alojamentos, restaurantes, lavandarias ou agências de viagem, ficam a 238 quilómetros a sul de Amã e a 133 a norte de Aqaba, junto ao Mar Vermelho. E é em Wadi Musa que fica também o Centro de Visitantes e a entrada principal do sítio arqueológico, a única onde há bilheteira (para entrar pelo lado do Mosteiro é preciso tratar do bilhete antes).
Petra percorre-se sobretudo a pé ou numa conjugação entre caminhada e os meios de transporte disponíveis. O percurso entre o Centro de Visitantes e o Tesouro, cerca de 2 quilómetros, pode ser percorrido desde o ano passado em carrinhos de golfe, que têm um custo de 15 (um percurso) ou 25 dinares (ida e volta), cerca de 21 ou 35 euros. O percurso entre o Centro de Visitantes e a entrada no Siq, cerca de 800 metros, pode ser feito a cavalo, o que em teoria está incluído no bilhete mas que na prática será preciso pagar à parte. Dentro da área do sítio arqueológico há ainda camelos, carroças e burros (e só estes sobem até ao Mosteiro).
Informações práticas para visitar Petra, como trilhos disponíveis (aqui) ou preço dos bilhetes (50, 55 e 60 dinares para 1, 2 ou 3 dias, cerca de 70, 77 e 84 euros, ou 90, cerca de 126 euros, para 1 dia e para os visitantes que não dormirem na Jordânia) podem ser consultadas no site Visit Petra. Visitantes com Jordan Pass têm incluída a entrada em Petra, mas precisam de levantar "bilhete" no Centro de Visitantes (e o Jordan Pass custa 70, 75 ou 80 dinares consoante o número de dias escolhido para entrar em Petra: 70, 75 e 80 dinares para 1, 2 ou 3, cerca de 98, 105 ou 112 euros). A visita a uma Petra iluminada por cerca de 1500 velas, que se realiza todas as segundas, quartas e quintas, das 20h30 às 22h30, tem um custo adicional de 17 dinares, cerca de 24 euros (mais informações aqui).
Junto ao Centro de Visitantes fica o Museu de Petra, construído com o apoio da cooperação japonesa e que acolhe obras descobertas no sítio arqueológico. E nos arredores de Petra, em Beidha, a cerca de 8 quilómetros, fica o Siq al Barid, também conhecido como Little Petra. Os dois locais, de entrada gratuita, merecem que se lhes dedique algum tempo.
Duas noites para dois na Jordan Guest House, que tem uma classificação de 9,5 no Booking e muitos elogios ao anfitrião Shadi ("kind", "attentive", "friendly", "helpful", "extraordinary"), custaram no final de Março 71 dinares (cerca de 100 euros), com pequeno almoço. A Jordan Guest House fica localizada numa encosta de Wadi Musa e tem uma boa vista, hospitalidade a rodos, quartos espaçosos e confortáveis e um restaurante que partilhamos ao jantar com uma família de três filipinos, um casal da Eslovénia com duas filhas pequenas e três amigos franceses. Mais informações no site ou por WhatsApp: +962779942091.
O livro Casei com um Beduíno, de Marguerite van Geldermalsen, está à venda no site da FNAC por 13,90 euros (versão ebbok a 9,99). Na Amazon, versão Kindle a 5,28.
Mais sobre a viagem à Jordânia nos links Jerash e Ajloun, Azraq e Castelos do Deserto, Madaba, Wadi Mujib e Estrada do Rei, Aqaba, Wadi Rum, Mar Morto e Amã.
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